Processos de ressonância e imitação verdadeira : operadores da autonomia e identidade na experiência de ensino-aprendizagem de práticas corporais
Mônica Medeiros RIBEIRODOI : https://dx.doi.org/10.56698/cultureskairos.846
Résumés
Résumé
À partir d’un état des lieux non exhaustif de la littérature dédiée au concept de soma et au processus de résonance, ce texte présente une réflexion sur l’imitation véritable dans les pratiques corporelles. À travers une discussion sur la synchronie, la syntonie et l’empathie kinesthésique, constitutives de l’expérience de l’énaction, je reviens sur l’exercice de l’altérité présent dans la véritable imitation. C’est ainsi que je renforce l’importance du processus d’enseignement-apprentissage des pratiques corporelles au moyen de l’observation et de l’imitation, comme cela se produit dans le breaking, en ce que cette pratique favorise la construction partagée de connaissance comme stratégie pour promouvoir la conscience corporelle et l’autonomie de mouvement. Le breaking réalisé dans une atmosphère d’improvisation, de jeux et de défis, montre clairement que le problème de la reproduction mécanique n’est pas inhérent à l’imitation véritable, mais apparaît quand le danseur n’est pas engagé dans l’expérience du faire, ni ne prête attention à soi-même et à l’environnement. De cette façon, je suggère que les processus de résonance et l’imitation véritable peuvent être considérés comme opérateurs de la conscience corporelle et de l’autonomie de mouvement.
Abstract
From a preliminary revision study of the concept of soma and processes of resonance, this paper discusses the understanding of true imitation in corporeal practices. Through the presentation and analysis of synchrony, attunement, empathy kinesthetic, constituents of enaction experience, I rebound the exercise of otherness that is presentified in true imitation. Thus, I consider the importance of teaching-learning corporeal practices by observation and imitation, as occurs in breaking, due to the feasibility of shared construction of knowledge and as a strategy to increase body awareness and movement autonomy. The breaking, held in an atmosphere of improvisation, play and challenges, makes clear that the problem of mechanical reproducibility of practice should not be the attitude of imitating, but when the dancer is not engaged in the experience of doing, paying attention to himself and to environment. In this way, the resonances process and true imitation constitute operators of autonomy and body awareness.
Resumo
A partir de uma revisão preliminar da literatura acerca do conceito de soma e processos de ressonância, este texto apresenta uma reflexão sobre a imitação verdadeira nas práticas corporais. Por meio da discussão sobre sincronia, sintonia e empatia cinestésica, constituintes da experiência de enação, reforço o exercício da alteridade presentificado na imitação verdadeira. Assim, reitero a importância de processos de ensino-aprendizagem de práticas corporais por meio da observação e da imitação, como ocorre no breaking, por favorecerem a construção compartilhada de conhecimento e como estratégia para promover a consciência corporal e autonomia de movimento. O breaking realizado numa atmosfera de improvisação, jogos e desafios, deixa claro que o problema da reprodução mecânica não é oriundo da imitação verdadeira, mas ocorre quando o dançarino não está engajado na experiência do fazer, nem prestando atenção a si próprio e ao ambiente. Desse modo, sugiro que os processos de ressonância e a imitação verdadeira podem ser considerados como operadores da consciência corporal e autonomia de movimento.
Index
Index de mots-clés : Imitation, Résonnance, Conscience, Altérité, Breaking.Index by keyword : Imitation, Resonance, Consciousness, Otherness, Breaking.
Índice de palavras-chaves : Imitação, Ressonancia, Consciencia, Alteridade, Breaking.
Texte intégral
1No âmbito de meu atual espaço de estudo LECAC- Laboratório de Estudos do Corpo nas Artes Cênicas-, tenho investigado temas concernentes à experiência do corpo em práticas corporais artísticas por meio do corpo em ação, da observação e fruição de imagens sob a forma de registros ou de movimento do corpo presente, e pelo exercício da linguagem elaborada em forma de letra. Em parceria com alunos e outros pesquisadores interessados nos estados do corpo no campo estético do acontecimento artístico, temas como ensino-aprendizagem do movimento, processos de criação e documentação desses constituem-se meus atuais objetos de desejo de investigação acadêmica. Apresento aqui uma reflexão que é parte do estudo preliminar acerca dos processos de ressonância corporal envolvidos no ensino-aprendizagem de danças. Como se dá o processo de aprendizagem silenciosa, sem a mediação da linguagem verbal, no ensino de danças ? Experiências de observação/ação de práticas corporais como o balé, duelos de breaking, danças moderna, samba, entre outras, permitem a constatação de que a imitação medeia sua aprendizagem. No entanto, pode-se perguntar se ao imitar o aprendiz não estaria distanciando-se da criação e, consequentemente, da construção da autonomia artística. Neste texto, pretendo tecer uma reflexão que suporte a noção da imitação como estratégia possível para a construção compartilhada de conhecimento em dança/breaking, pautado no incremento da consciência corporal e autonomia de movimento.
2O breaking foi escolhido como primeira manifestação corporal a servir de base para se estudar os estados corporais envolvidos na aprendizagem do movimento dançado por via da imitação, por tê-la como procedimento metodológico prioritário em suas ações de difusão e ensino no Brasil (Ribeiro, 2013), além de ser uma dança que faz parte do movimento Hip Hop que tem a apropriação e o reaproveitamento como atitudes caraterísticas (Gutsack, 2004).1 Entretanto, o foco de interesse aqui são os estados corporais de ressonância - mediados pela sintonia, sincronia e empatia, sendo essas compreendidas como processos cognitivo-afetivos estetizados pela prática artística - constituintes da experiência de aprendizagem por via da imitação.
3O suporte epistemológico para esse estudo provém da necessidade de flanar por territórios indisciplinados (Sodré, 2002) que, por priorizarem os atravessamentos, operam como propulsores para movimentar meu desejo. Importa dizer que tal trânsito não se dá de maneira linear, podendo conter passos ora para adiante ora para trás, por vezes em círculos, carregados de tensão e prazer, o que significa para mim que o interdisciplinarizar traz afeto para o exercício da pesquisa em artes. A ecologia dos saberes proposta por Boaventura Souza Santos (Santos ; Hissa, 2011) incita essa convivência com a diferença, que propicia a inclusão de diálogos entre saberes da tradição, da arte, das ciências, da filosofia. Além disso, pensar a partir da observação/ação da prática artística não objetiva encontrar respostas definitivas, mas permanecer no cultivo do movimento das perguntas.
4Contaminada por esse espírito dialógico e buscando um território afim ao exercício da consciência do fazer do corpo por meio do movimento, parto de uma revisão bibliográfica preliminar acerca dos estudos corporais no campo da educação somática. Interesso-me pela noção de soma proposta por Hanna (1986) na qual o corpo é compreendido a partir da perspectiva da primeira pessoa, ou seja, do ponto de vista do sujeito experienciador do próprio corpo. A educação somática é um campo no qual se estuda, de modo teórico-prático, o movimento corporal por meio de diferentes métodos e está tendo importância fundamental nos processos de formação em dança contemporânea e nas práticas de dançarinos e atores profissionais, devido a sua maior promessa que é a de aprimoramento da consciência do próprio corpo, por meio da exploração do sentido do movimento (Fortin, 1999 ; Marques, 2012). Tal aprimoramento, sugere-se, resultaria em um maior bem estar para o artista de dança, assim como uma capacidade de auto-conhecimento e, consequentemente, de poder desenvolver maior autonomia e identidade em seus processos criativos. Fortin (1996 ; 2005) e Fortin ; Long e Lord (2002) afirmam ainda que as sensações físicas são mais importantes que os processos de espelhamento e reprodução. Este texto discute essa última noção que parece pautar-se numa incompatibilidade entre a aprendizagem por imitação e o aprimoramento da autonomia e consciência cinestésica.
Problematizando
5Os métodos somáticos se assemelham devido ao compartilhamento de um conjunto de características comuns, que parecem guiar seus procedimentos. Bolsanello (2011) aponta, entre eles, os seguintes : a diminuição do ritmo ; a respiração como suporte do movimento ; a interpretação da diretriz verbal ; a auto-pesquisa do movimento ; a auto-massagem ; a busca do esforço justo ; o alongamento fino e preciso ; o aumento do vocabulário gestual e a aprendizagem leiga. Muitos dos princípios postulados estão apoiados em dados, supostamente científicos, que parecem servir à tentativa de validação das práticas (Ginot, 2010). No entanto, essa tentativa de objetivação por meio de um discurso científico encontra sua contrapartida no que se pode dizer que é o operador dos métodos somáticos : a valorização da experiência corporal em primeira pessoa. Por vezes, a prevalência da subjetividade na experiência do sentir, perceber e explorar o próprio movimento visando o aprimoramento da denominada consciência corporal entra em choque com postulados que parecem propor uma padronização de métodos, sentires, vivências. Uma estratégia que parece privilegiar aspectos racionais, e políticos, de disseminação de modos de comportamento em detrimento de sentimentos singulares presentes em experiências poéticas. A sensação que tenho é que preceitos específicos de métodos como Feldenkrais, Técnica de Alexander, BMC, Ideokinesis, entre outros, parecem estar adequados a práticas diversas, sendo, por vezes, difundidos como “Verdades” para o campo do ensino do movimento dançado na atualidade.
6Provavelmente, tal difusão não está em conformidade com as intenções de seus inventores, mas sim reflete o desejo político de profissionais especializados na transmissão de conhecimentos estabelecidos. Observo uma necessidade de normalização de procedimentos teórico-metodológicos reveladora de articulações de estratégias de poder por parte dos porta-vozes desses discursos. Como se fosse somente por meio da prática de certas abordagens somáticas que o sujeito alcançaria uma “verdadeira” consciência do próprio corpo e movimento e também como se a consciência do corpo fosse um modelo a ser seguido que contivesse, por exemplo, a capacidade de alinhamento dos segmentos corporais dentro do considerado saudável, a capacidade de utilizar apenas o esforço mínimo, um estado tônico adequado, um alongamento desejável. Pergunto-me: Desejável para quem? Adequado segundo quem?
7A questão da consciência tem sido investigada a fundo (Churchland, 2004; Damásio, 2000; Depraz; Varela; Vermesch, 2003) e estamos longe de conceitos definitivos. Se pensarmos na consciência do próprio corpo, que inclui a experiência subjetiva na consciência corporal (Schusterman, 2008; Legrand; Ravn, 2009; Thompson, 2005), também devemos levar em consideração a interferência de falsas memórias corporais, de invenções do desejo, de distorções perceptivas, enfim processos que podem desestabilizar uma consciência corporal considerada adequada, aprimorada, e digo padronizada por modos culturais específicos. Considero a necessidade de se pensar a partir de uma consciência multifacética, falha, surpreendente, que se apropria de sentimentos corporais somados a memórias, emoções, desejos, pensamentos para constituir-se no aqui-agora. É imprescindível considerar a necessidade de contextualização da ação. Contextualização essa que se dá, principalmente, em relação ao ambiente sócio-político-cultural. O sentir-se a si próprio não está dissociado do estar em um determinado ambiente, experienciando singulares práticas culturais e seus desdobramentos éticos e estéticos. Na prática de breaking, por exemplo, pode-se esperar uma possível ocorrência fenomenológica do que se percebe como consciência corporal portando especificidades que a caracterizem de determinada maneira e percebida devido à qualidade do movimento executado. Mas essa consciencia corporal percebida em um dançarino de breaking não necessariamente se aplicaria a outros contextos de ações, inclusive, do mesmo corpo em questão. Daí a mínima ideia de uma consciência modelar parecer-me por demasiado frágil. Na mesma linha de raciocínio coloco a visão do alinhamento corporal fundamentado em saberes anatômicos revisados por técnicas fisioterapêuticas, de reeducação do movimento, como RPG, Pilates, que buscam um corpo considerado saudável. São práticas as quais pratico e que portanto reconheço seu valor e suas possibilidades de aplicação. Mas o que a poética da dança tem a ver com a saúde do corpo ? O que é um corpo saudável ? Arte e saúde são de fato compatíveis ? É salutar para minha coluna cervical e para minha cintura escapular que eu gire apoiado sobre minha cabeça, headspin,2 num chão de cimento, passo caraterístico do breaking ? Se procuro a resposta nos anais da clínica motora, não faço esse movimento “dançado”. Qual seria o alinhamento do corpo consciente perceptível em práticas tão distintas como a dança de rua, a dança do ventre, a dança de salão, a clássica, a moderna, a contemporânea ? Talvez seja necessário pensar em alinhamentos e consciências de corpos.
8 A indicação de se trabalhar com o mínimo de esforço, ou esforço justo, é outra interrogação, uma vez que as gradações de esforço estão intimamente relacionadas à expressividade do movimento, como já propôs Delsarte (Warman, 1980 [1892] ; Laban,1978 ; Barba e Savarese, 1995) e outros estudiosos do movimento no âmbito artístico. A abordagem da noção de tônus é sempre duvidosa, dado que esse grau de contração muscular não é controlado voluntariamente pelo indivíduo (Schmidt ; Wrisberg, 2010).
9No entanto, se recorremos aos praticantes de técnicas de educação somática o que escutaremos é que eles não trabalham com padrões ou modelos, o que se pode perceber em suas propostas. Reitero que o que estou questionando são os desdobramentos políticos descontextualizados dos discursos e não as propostas singulares de cada sistema de prática somática. Meus questionamentos apenas reforçam a dificuldade de se trabalhar visando a padronização de princípios quando a questão são modos de ensino-aprendizagem. Parece-me que o “como” que importa na questão do ensino-aprendizagem de dança refere-se aos modos de relação entre professor e aluno, uma vez que princípios que servem a determinado fazer podem não se adequarem a outros contextos culturais.
Diversidade de corpos e modos de fazer
10Há regras e padrões que, se funcionarem na lógica da colonização de saberes superiores, podem ser contrários à demanda da multiplicidade de corpos, danças e de modos de ensino-aprendizagem que coabitam a cena do ensino de arte/dança na atualidade e, principalmente, contrários à proposta geradora de diversos sistemas no campo da educação somática. O corpo como experiência, como acontecimento poético na dança se constitui num fazer compartilhado que implica e exige diversidade e miscigenação. Como fazer então com as metodologias para o ensino do movimento no ensino formal? Existe de fato algo que possamos denominar de princípios universais de movimento poético que sejam coerentes com a pluralidade de modos de articulação corporal nas artes ? Como fazer que um princípio organizador de uma experiência corporal seja replicável a outras distintas ? Como certificar-nos de que tais princípios poderiam cruzar fronteiras sem perderem sua condição de princípio ? A tentativa de se trabalhar com princípios “universais” de movimentos poéticos nas artes da cena não seria coerente com o desejo de adestramento e controle sobre si e sobre o corpo ?
11Princípios parecem ter tendência própria de globalização, o que de certo modo padroniza fazeres e pensamentos. Desde logo, tendência é apenas um indicativo da possibilidade de realização. Potência de acontecimento. Os princípios, a meu ver, são bem vindos e necessários quando circunstanciados. Importa aqui mencionar que estou referindo-me à minha própria dificuldade de contemplar um modos operandi organizado por princípios gerais de movimento poético que seja adequado aos vários desejos e invenções artísticas. Naturalmente não me refiro a princípios do movimento humano na sua generalidade da espécie, ou a princípios da física do movimento, mas às características qualitativas do movimento do corpo poético que gera experiência de espessura complexa, muitas vezes de compreensão cheia de falhas, brancos, invenções.
12Ao cruzar fronteiras espaço-temporais necessariamente ocorrem processos de desarticulação prévios a novas organizações. Questiona-se assim a necessidade de caracterizar princípios pela sua essência e capacidade de generalização. No contexto do ensino-aprendizagem do movimento corporal em arte, aspectos de singularidade do indivíduo e do contexto interferem na constituição dos princípios organizadores das práticas, o que torna vã a tentativa de padronização. Isso ocorre devido à imbricação corpo-mente que impossibilita a dissociação entre movimento, pensamento, emoção, sentimentos, memórias.
13No entanto, a questão emerge significativamente quando se trata do estabelecimento de programas curriculares em âmbito acadêmico pautados em disciplinas com conteúdos e métodos de ensino validados pela afirmação da ocorrência de princípios de movimento para a dança. Que princípios de movimento possam organizar os procedimentos em sala de aula de estudos corporais, não tenho dúvida. Mas o que sim questiono é se esses princípios podem ser de fato próprios para a criação poética de movimentos nas artes da cena. Por que não se pode operar no âmbito acadêmico do ensino/aprendizagem em arte, a partir de instabilidades, do inesperado, do lacunar, da não definição a priori que caracterizam os processos de criação artísticas ? É nesse lugar que pressinto a força coercitiva do estabelecido, do normatizado, do replicável no âmbito da experiência de ensino-aprendizagem em arte que impacta as manifestações artísticas dela decorrentes. O problema talvez esteja na necessidade de um discurso normatizante que percorre necessariamente a economia das técnicas corporais, com seus sistemas de venda e transmissão.
Espelhamentos para o trabalho sobre si
14Ainda que na agenda corporal da educação somática se proponha evitar procedimentos de observação, imitação, execução de coreografias, demonstração, repetição de movimentos e a noção de aperfeiçoamento (Bolsanello, 2005 ; 2011 ; Fortin 1998 ; Fortin ; Long ; Lord, 2002), abordo esses processos como partícipes de ações de valorização de consciências corporais e de possíveis construções de autonomia poética em práticas corporais culturais, como no breaking.3
15Percebe-se nos postulados da Educação Somática a oposição entre o método observacional visual e o método de exploração, com supremacia do segundo. Um dos motivos dessa desconsideração por processos de observação deve-se à crença de que esses promovem o pensar antes do fazer (Lortie 1975 apud Fortin 1998). Essa supremacia racionalizaria o processo de exploração do movimento, de maneira que poderia afastar o sujeito de si próprio, de suas próprias sensações e colocá-lo numa condição funcionalista de fazer copiando algo que não lhe pertence.
16Mas, uma vez engajado no fazer corporal na dança, corroboro com a noção de que há pensamento concomitante à ação, há pensamento do corpo como propôs Katz (1994), ou, como prefiro, sentimento dos estados do corpo que informam o necessário para uma ação poética. Processos não conscientes e pré-reflexivos ampliam o alcance da consciência e conduzem decisões para o indivíduo (Damasio, 2010). E esses processos são influenciados por sentimentos corporais que promovem insights sobre o conhecimento da experiência. Os sentimentos corporais informam sobre o corpo alterado pela interação com o outro e consigo próprio, por meio de um mapeamento ao qual se somam a percepção de pensamentos e de modos de pensar. Portanto, observar antes de fazer, observar com a intenção de apropriar-se do movimento do outro traz o sujeito para o presente da ação e o conecta com aquilo e aquele que vê por meio de uma interação intersubjetiva. Observar, imitar e repetir não necessariamente implicam reprodutibilidade mecânica, desengajada e descontextualizada, podendo fazer parte de um treinamento de si na experiência do aprender com o outro aquilo que “é” do outro.
17Yuasa (1987) contribui com essa reflexão ao reconsiderar a noção de treinamento como prática disciplinada por meio da qual se trabalha um determinado modo de fazer associado ao enriquecimento da própria personalidade. Com isso tento mostrar a possibilidade de ver o treino corporal mediado pela imitação não apenas como repetição mecânica e desengajada, mas ao contrário, como cultivo da unidade mente-corpo no fazer atento. Essa atenção também não é voltada apenas para si próprio, não é ensimesmada. Trata-se de uma atenção dinâmica que oscila ao redor de seu objeto principal como propõe Arvidson (2003). Assemelha-se a um estado de vigilância, estado precário que porta tendência de ações. Assim, considero que o treinamento atento e exploratório, na experiência de imitar o que se percebe, com o próprio movimento e com o do outro apresenta um corpo-mente em continuidade, o que implica mútua afecção entre essas dimensões corpóreas. Nesse caso a atenção está voltada para si próprio, para o outro, para o ambiente e para a própria experiência do fazer. Considero que a perspectiva da primeira pessoa proposta por Thomas Hanna porta esses movimentos oscilatórios entre o eu e o outro. Sendo a imitação um processo que ocorre nesse trânsito, por que razão ela não seria adequada a um treinamento da percepção cinestésica e sua conseqüente aplicação poética ?
A experiência de enação na imitação
18A experiência do corpo não é assunto do mundo privado do sujeito, mas resulta do estabelecimento de vínculos, recuperando, como pontua Dewey (2008 [1934]) o sistema de trocas. A experiência opera como transação. Portanto, para viver a experiência do corpo é necessário antes estar. O outro existe por que eu existo e vice-versa. Assim, a experiência significativa pode ultrapassar a interação e se transformar em participação e comunicação, como sugerem Maturana e Varela (2001). A comunicação associada ao pertencimento traz o ambiente e o contexto para a equação da construção de conhecimento a partir da experiência. Abordo a tessitura complexa da experiência, tão fundamental no âmbito do fazer artístico, por via de um de seus possíveis desdobramentos no fazer corporal : a dimensão da experiência de enação (Ribeiro, 2012).
19A base da experiência de enação é a noção de compartilhamento do fazer atento do corpo. Gosto de pensar o corpo a partir das noções propostas por Csordas (1993) das quais ressalto a ideia de corpo como sujeito que proporciona a base para a existência da cultura e a noção de atenção somática como um modo culturalmente elaborado para atender ao próprio corpo, mas incluindo a presença de outros corpos. Portanto um fazer atento compartilhado compreende conhecimento corporificado devido à experiência perceptiva e ao modo de presença e engajamento no mundo. Ao conhecimento enativo resultante da interação da percepção-ação com o ambiente soma-se o conhecimento declarativo que permite a reflexão sobre o fazer, constituindo-se um conhecimento corporificado.
20Portanto, a experiência de enação aqui proposta é a transação que ocorre entre os participantes, os desejos e objetivos por meio de uma afecção recíproca mediada pelo compartilhamento por via da observação e imitação, e sendo operada por mecanismos de ressonância − sincronia, sintonia e empatia cinestésica (Ribeiro, 2012).
21O corpo que está na experiência de enação presente no ensino-aprendizagem de danças urbanas pode ser denominado, retomando Dubatti (2010), corpo afetado ou em estado poético. Esse corpo sofre as afecções decorrentes do trabalho sobre si na situação de compartilhamento da experiência. É um corpo afetado pela própria ação exploratória da atenção a si próprio e ao outro numa situação de ressonância. Um corpo poroso, disponível, ativo, que olha para dentro e para fora simultaneamente, precederia o corpo poético que dança a dança aprendida, apropriada pela mirada. Gosto de somar o corpo poético proposto por Dubatti à experiência de enação por considerar que o estar associado ao ser configura tessitura que qualifica o corpo como processo, como partícipe de um espaço-momento configurado por ações as quais deixam restos sob a forma de memórias corporificadas.
22Na experiência de enação durante a aprendizagem aqui referida, a comunicação como pertencimento se refere às operações de ressonâncias e de afecções entre percepções, ações, sentimentos, ou seja, operações com estados do corpo. Os estados do corpo corporificados em movimentos de breaking são capturados pelo olhar atento que se propõe tragar, desconstruindo, reorganizando e nutrindo-se daquilo que vê. A atitude antropofágica dá sentido ao processo de ensino-aprendizagem desse modo de dançar que chega ao Brasil na década de 1980 por meio dos “meios de comunicação de massa e trocas gestuais em bailes realizados nas periferias de todo Brasil” (Guarato, 2009). Movidos pela operação de ver, gostar do que se vê, misturar-se com o que se gosta e destruí-lo reinventando-o, ao modo da antropofagia segundo Barbosa (1998), os artistas de dança brasileiros hibridizaram ainda mais o breaking com sutis invenções locais. O breaking já traz em si uma associação entre movimentos de diversas danças de rua, gestos simbolizando helicópteros, feridos de guerra, passos de danças de salão latinas, movimentos de ginástica e artes marciais, revelando-se constituído por uma natureza mestiça (Gutsack, 2004), mas ainda assim não está imune às singularidades de cada localidade onde é praticado. É nesse sentido que reforço a importância do contexto na execução do movimento poético na dança. O espaço como parte constituinte do movimento, traz aspectos sócio-político-culturais para o corpo em experiência estética.
23Na década de 1980, em Belo Horionte, aprendia-se por via da imitação, como afirma o b-boy Fabrício Ribeiro (informação verbal).4 No entanto, por meio da conversa com o b-boy Fabrício, foi possível perceber uma aparente necessidade de estabilização da forma, como algo que legitimaria o fazer tornando-o replicável e talvez com semblante puro. Parece-me que pode haver um desejo de tornar a imitação imune às interferências acima referidas e aquelas concernentes a aspectos emocionais, mnemônicos e inclusive do não saber. Talvez esse pensamento seja fruto da idéia de que o importado, o estrangeiro, deva permanecer puro para manter-se legítimo. No entanto neste texto, remeto-me ao fazer misturado que se dá quando aprendo com e a partir do outro, apropriando-me dos movimentos nesse fazer. Quando reorganizo experiências.
Imitação verdadeira como experiência de engajamento no fazer atento
24A imitação que opera na reorganização das experiências de movimento é resultante do engajamento corporal por via de habilidades miméticas. Novamente o corpo, a corporificação, é a base para a construção da cultura, como propôs Csordas (1993), mediando a energia física e os significados. A mímese é compreendida como tendência de sintonia com movimentos e posturas de outros, mas não como um mecanismo de pouca complexidade, low-level, dissociada de processos cognitivos e afetivos. As habilidades miméticas aqui referidas estão imbricadas em processos mais complexos de ressonância. Lipps (1903) dizia que ao imitarmos movimentos relacionados a música, com um ritmo claramente perceptível, como ocorre no breaking, compartilhamos imagens de ações e de percepções. Essa operação intersubjetiva promove o trânsito entre sensação, percepção, emoções, cognição motora, e, vale lembrar, numa situação de convívio, de interesses compartilhados sobre ensinar e aprender conjuntamente. A metáfora da ressonância pode ser propícia para se pensar esse circuito de sentimentos corporais e possibilita articulações de movimentos que permitem que a energia percebida visualmente, associada ao desejo e interesse, seja transformada em movimento.
25Ao observar o movimento do outro para aprender uma série de passos ocorre uma interação entre áreas visuais e motoras, como já se sabe em razão de pesquisas com neurônios espelhos (Rizzolatti ; Fadiga ; Fogassi ; Gallese, 1996 ; Rizzolatti ; Craighero, 2004 ; Iacobonni, 2005 ; 2008), permitindo a ressonância com a ação observada, por meio da simulação interna, sua conseqüente compreensão e a possibilidade de externalizá-la sob a forma de ação visível. Esses mesmo autores afirmaram que os mecanismos de ressonância são fundamentais nas relações inter-individuais, como acontece na imitação.
26A imitação, para Meltzoff e Moore (1997) é uma forma básica de articulação corporal que é direcionada a um objetivo. Quando o dançarino imita o outro dançando ele tem que se organizar cinestesicamente para corporificar o visível. De modo consciente ele se conecta com o outro por meio de suas corporeidades. A imitação verdadeira é sustentada por ações objetivadas, sendo uma capacidade inata e específica da espécie humana (Leman, 2008). Ao imitar para aprender movimentos dançados ocorre uma ressonância de alto nível, pois nela o indivíduo deve antecipar o objetivo da ação no contexto, compreendendo o modo como a ação acontece ao visar o objetivo, ou seja, percebendo a intenção da ação.
27Além de sincronizarem-se com a música, processo que segundo Clayton, Sager e Will (2004) refere-se a uma tendência de mover-se de acordo com um padrão sonoro disponibilizado no ambiente, que facilita o fazer junto, a sintonia também parece atuar na aprendizagem da dança por meio da imitação. A sintonia exige mais que a sincronia, sendo necessário um engajamento consciente, um propósito, do sujeito no compartilhamento da experiência do movimento. Soma-se à sincronia e à sintonia a empatia cinestésica que denota uma tendência a se ter e perceber sensações cinestésicas semelhantes às observadas (Stueber, 2008), possibilitando a interiorização da ação e a possibilidade de externalizá-la sob a forma de movimentos.
28É fundamental dizer que a empatia tem aqui um papel crucial, pois não sendo mero contágio, ela implica o reconhecimento do outro e de si próprio, facilitando a distinção entre o sujeito e o mundo, mas, simultaneamente, possibilitando ações de compartilhamento, de convívio, de pertencimento. Por meio dela reconhece-se o outro em si próprio. A empatia traz consigo tessitura cognitivo-afetiva, que também explicita a não separação entre afeto e cognição na operação de imitação verdadeira, possibilitando construção de conhecimento não mediada por palavras, mas por articulações corporais. Esse processo de ressonância propicia a construção de um conhecimento corporificado, cinestésico e somático, promovido por sentimentos do corpo, mediados pela empatia, propriocepção consciente, percepção que cartografa estados alterados do corpo e permite reflexões e pensamento-ação.
29Tomar a aprendizagem no breaking foi pretexto para se pensar modos de ensino-aprendizagem de práticas corporais pautados na imitação verdadeira por via da observação e imitação. Processos de ressonância como sincronia, sintonia e empatia cinestésica possibilitam o compartilhamento da experiência corporal. O conhecimento que se constrói é qualitativo, baseado na percepção das oscilações sensório-motoras do corpo e na percepção visual e empática do corpo do outro. Não pretendi discutir as conseqüências desses modos de aprendizagem, mas reforçar a força da conexão eu-outro quando mediada pela imitação verdadeira, que traz o sujeito engajado na experiência. Motivado pelo desejo de corporificar o que se vê, a aprendizagem se dá por meio do aprimoramento de si próprio pelo movimento do outro. Meltzoff (2003) inverte a relação entre processos de ressonância e imitação ao hipotetizar que é a imitação que permite o desenvolvimento da empatia e da capacidade de deduzir a intenção alheia, promovendo um blend entre a exterocepção - percepção do outro- e a propriocepção - a percepção do próprio corpo. A imitação pressupõe a conexão observação-execução, ou seja, percepção-ação, estabelecendo um sistema básico de interações intersubjetivas. Posso dizer ainda que a imitação verdadeira, como mecanismo de espelhamento, permite reconhecimento de si próprio e do outro, incentivando o compartilhamento de saberes, pelo cultivo da escuta atenta e disponibilidade para viabilizar o trânsito entre aquilo que me constitui e o que de mim difere.
30Importa dizer que não se trata de um trânsito puro, mas um trânsito onde imperam sentidos, tensões, articulações corporais, intenções, descontinuidades, lapsos, ações de pertencimento e comunicação. Parece que na imitação verdadeira o objetivo mais profundo não estaria apenas na execução da ação observada, mas na compreensão da intenção motora do outro, e no estabelecimento do encontro com esse que me atrai pela diferença que produzirá não semelhanças e sim miscigenações.
Imitação e alteridade
31Então, nos processos de imitação tão presentes em aprendizagens de práticas corporais de dança, implicam-se mutuamente ação e percepção. Imitação verdadeira não compactua com processos de reprodutibilidade des-subjetivada, ao contrário, nutre a experiência corporal de relações dialógicas, de apropriações, de convivência com alteridades, de saber de si ao perceber o outro. Nessa lida entre eu e o outro surgem afetos e saberes característicos de situações de convívio e expectação poética, ou, como diz Dubatti, de dança como experiência. A imitação verdadeira na aprendizagem do breaking, por exemplo, proporciona um salto ontológico para a relação eu/outro, transformando a fronteira entre o eu e o outro em ponte, em conexão. A imitação pode operar como possibilitadora de processos de intersecção cultural que, ao modo de Bhabha (2010), promovem o reconhecimento de si por via de projeções de alteridade.
32A valorização da experiência do sujeito nos processos de ensino-aprendizagem em arte pode sim ser potencializada por abordagens somáticas que prescindem e até mesmo recusam práticas de imitação. No entanto, também se pode lograr a necessária consciência corporal, ou, como prefiro, consciências corporais, na prática da dança por meio de processos de observação e imitação. Com isso o incremento da consciência de si se daria com a ajuda do reconhecimento do outro em mim. A imitação verdadeira não trata de re-presentações, mas de apropriações que podem gerar sentido estético e cultural.
33Comumente atribui-se à imitação a responsabilidade por resultados de homogenização e reprodutibilidade. No entanto, neste texto não abordo a cópia, mas a imitação verdadeira que é constituída de operações de mistura. Considero que esse processo especular possa ser compreendido como colaborador da constituição de dimensões de identidades. Sim, no plural. Trata-se de uma identidade no plural, uma vez que tem seu desenho traçado de modo reticular, contemplando encontros, conexões que geram afecções significativas. Falo de uma identidade misturada, não mais pura e essencial. Remeto-me novamente a Bhabha (1989, p. 139) quando diz que : “Identidade é ser para si mesmo e para o outro ; consequentemente, a identidade é encontrada entre nossas diferenças”. É justamente na fronteira eu-outro, compreendida como ponte, que pode ocorrer essa constituição identitária na dança, quando operada pela observação e imitação.
34 No Brasil as práticas corporais são efeitos da mistura, e, portanto, ausentes de pureza. Parece-me importante considerar que as práticas corporais artísticas possam ser constituídas tanto de elementos estáveis, como passos transmitidos de geração a geração de dançarinos, quanto de elementos fluidos, como as instabilidades operadas pelos sentimentos do corpo oriundos do compartilhamento da experiência de movimento. O breaking em Belo Horizonte configura-se pela admiração pelo desconhecido, pelo desejo de mesclar-se com aquilo que de mim difere, mas atrai, o estranho. Tal admiração revela um ver-se ao sentir-se parte do que se vê. Gostar de um conjunto de passos dançados em um filme e levá-los para fora das telas, dando continuidade a um aprendizado autônomo (Ribeiro, 2013), implica em seguir o movimento dos afetos, do desejo. É Bhabha que vai nos alertar dizendo que essa apropriação da diferença pode não ser mera submissão colonialista, mas efeito de um hibridismo cultural que não estabelece hierarquias. É o mesmo pensador que também afirma que de certo modo por meio da imitação verdadeira, (no texto, Bhabha (2010, p. 137) refere-se à mímica), “imita-se formas de autoridade ao mesmo tempo que as desautoriza”. Dizer que no início do processo de aprendizagem e difusão do breaking em Belo Horizonte houve hibridação não significa desconsiderar que essa dança já traz em si características de distintos países e modos de dançar. O que se pretende é reiterar que a dança aprendida por via da observação e imitação não exclui as singularidades da localidade e do sujeito observador, que impactam o movimento visível, impedindo uma concepção de dança pura. Ainda que se pretenda manter o “original” sendo “fiel” a uma suposta matriz de passos de breaking, os processos afetivos invadem a cena da aprendizagem e tanto se manifestam como articuladores da construção do conhecimento corporificado quanto matizam autoralmente os movimentos dançados. É essa hibridização a qual me refiro, a que ocorre entre o sujeito e o mundo por meio do movimento.
35Deve-se considerar também que entre os efeitos da ressonância pode emergir a alienação de si pela deglutição do outro, quando considerado superior ao si próprio. Mas cabe novamente reforçar que trato do ato poético de construção de um corpo que dança uma dança apreendida por meio desses processos espelhados. Isso implica que há consciência e objetivo por parte do sujeito-artista que decide imitar para trazer para si algo que, de certo modo, já lhe pertence uma vez que foi por ele percebido, adentrou seu campo de consciência. Sugere-se que a imitação, quando verdadeira, leva à desconstrução dos discursos de poder, e instaura uma identidade plural, autorias plurais que não destituem do sujeito-criador sua responsabilidade artística.
36A consciência da atitude de miscigenação que transparece na imitação verdadeira parece contrapor às possíveis interpretações desse processo como mera reprodutibilidade submissa, característica da globalização padronizadora. No breaking dançado no “Duelo de MCs” , debaixo do Viaduto Santa Tereza em Belo Horizonte,5 por exemplo, pôde-se perceber a imitação verdadeira na qual um dançarino desafia o outro aprimorando o movimento visto e imitado com novas articulações expressivas. Nessas “batalhas urbanas” o campo estético da dança pode fazer-se fonte de pesquisas etnográficas que tem como foco de investigação a relação eu-outro na construção do movimento dançado. No “Duelo de MCs” apreendem-se encadeamentos formais de movimentos, mas esses são trabalhados num contexto onde predominam a improvisação, o humor, o jogo, por meio dos desafios entre os dançarinos. Parece-me que esse ambiente, o da improvisação associada ao desafio, potencializa a construção da autonomia, a apropriação do movimento apreendido por via da imitação verdadeira. Instaura-se a visibilidade do sistema corpo-mente-ambiente na ação corporal dançada que constrói conhecimento de modo compartilhado.
37A questão inicialmente posta a respeito da relação entre autonomia e ensino-aprendizagem mediada por processos de ressonância, neste caso com referência ao breaking, dos quais se desdobra a imitação verdadeira, tem neste texto um ponto de reflexão. Não concluo, ainda que sugira que esses processos sim funcionam como operadores da autonomia e da consciência corporal, mas interrompo o fluxo dessas palavras com objetivo de proceder à pesquisa de levantamento com praticantes de breaking, seguindo procedimentos etnográficos. A partir deste estudo teórico preliminar pretendo o encontro com o real, indo a campo para saber como se percebe o impacto das operações de ressonância nas poéticas de breaking. Cotejar a proposição teórica pautada na literatura com a observação e participação no fazer constitui o próximo passo deste pensamento-ação.
38Por agora reitero que imitar, de modo verdadeiro, engajado, parece-me propiciar misturas apaixonadas, resultantes das possibilidades de mobilidade, de borramento de fronteiras, de operações de apropriação simbólica, de invenções, de processos de circulação de objetos culturais e de formas experienciáveis.
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Notes
1 Ainda que não seja objeto desta reflexão a descrição e análise da dança breaking, vale mencionar que, segundo Gustsack (2004), ela foi criada no final da década de1960 no Bronx de Nova York e teve entre seus precursores Kevin Donovan (DJ norte-americano Afrika Bambaataa), Clive Campbell (DJ jamaicano Kool Hurc e Joseph Sadder (DJ Grandmaster Flash). Operada pelo procedimento da mistura contémcaracterísticas das danças de salão latinas, como a salsa, das artes marciais, da ginástica tradicional, da acrobacia, além de um elaborado trabalho de movimento dos pés e uso do chão por meio de apoios das mãos e da cabeça. O breaking é um dos elementos do movimento Hip Hop e foi criado num contexto de conflitos sócio-econômicos e culturais na periferia de Nova York (Gutsack, 2004), quando Bambaataa começou a propor que as gangues de rua passassem a duelar com dança, breaking, no lugar das lutas físicas. Se, no início seus dançarinos ocultavam os passos para surpreenderem seus adversários nos duelos de breaking, com a criação das festas pelos DJs, block parties, os movimentos do breaking passaram a ser executados por pessoas que não pertenciam às gangues (Rocha, Domenich e Casseano, 2001). O breaking é difundido para no Brasil no final da década de 1970 e início de 1980 principalmente pela mídia de massa por meio de filmes como Flash Dance e Beat Street e acaba tendo desdobramentos de apropriação como o próprio Bambaataa (1999) reconhece ao dizer que há hip hop de estilo africano, europeu e brasileiro. Não se pode deixar de mencionar nomes como o B-boy Nelson do Triunfo e Funk & Cia. (São Paulo) , Gerson King Kombo (Rio de Janeiro), Eduardo Sô (Belo Horizonte) entre os que impulsionaram o movimento hip hop no Brasil.
2 Giro sobre a cabeça.
3 O breaking chega ao Brasil na década de 1980 (Gutsack, 2004) e possui modos de disseminação diferenciados nas diversas capitais brasileiras. No âmbito da capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, essa dança foi apropriada por via da observação atenta seguida de imitação das danças vistas em filmes como Flashdance e Beat Street (Ribeiro, 2013). Esse movimento de dança, parte da cultura Hip Hop, instalava-se no Brasil marcando presença nos bailes funk e festas. Na experiência de se dançar junto, em duelos artísticos, o imitar e aprimorar, por via de desafios corporais, são procedimentos que propiciam a construção do conhecimento dançado.
4 Fabrício Ribeiro, B-boy, residente em Belo Horizonte, em entrevista concedida à autora.
5 O “Duelo de MCs” de Belo Horizonte é um acontecimento promovido pela Família de Rua, desde 2007, e congrega centenas de b-boys, b-girls e artistas de dança numa batalha onde pode-se fruir o breaking e as diversas manifestações artísticas do Hip-Hop. O momento de observação referido no texto trata de uma batalha entre b-boys ocorrida no Festival Verão Arte Contemporânea, em janeiro de 2013 (VAC/2013). Família de Rua é um coletivo belorizontino que tem como objetivo promover a cultura Hip Hop e o Skate tanto como expressão artística quanto como estilo de vida. Para maiores informações sugere-se os links : https://www.facebook.com/familiadrua/info e http://duelodemcs.blogspot.com.br/ .