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As mudanças no campo do digital : entrevista com Laura Graziela GomesThe digital area’s changes: interview with Laura Graziela Gomes

Jair de Souza Ramos et Renan Alfenas de Mattos
mars 2023

DOI : https://dx.doi.org/10.56698/cultureskairos.2010

Index   

Texte intégral   

1Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes é Professora Titular do Departamento de Antropologia da UFF e no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/UFF), além de ser coordenadora do Núcleo de Estudos da Modernidade (NEMO) e pesquisadora associada ao Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (InEAC/INCT).

2Laura possui uma longa trajetória de pesquisa dedicada aos estudos antropológicos do consumo, com importantes contribuições para o estudo das telenovelas e do consumo da experiência nas mídias. Além disso, foi uma das precursoras no Brasil na pesquisa sobre ambientes imersivos digitais, como o Second Life, que se somam a suas reflexões sobre as formas de se fazer etnografia online.

3Com a experiência de quem ainda coordenou e participou de diversos Grupos de Trabalho em congressos nacionais e internacionais que ajudaram a desenvolver o campo do digital no país, Laura nos fornece nessa entrevista grandes insights sobre as continuidades e descontinuidades entre as mídias, sobre a influência de autores do Norte Global e sobre as mudanças nesse campo ao longo dos anos. Finalmente, a autora nos oferece reflexões pioneiras sobre os metaversos, tema cada vez mais cotidiano.

4Essa entrevista foi concedida a Renan Alfenas de Mattos e Jair de Souza Ramos.

Parte I – Do audiovisual aos ambientes imersivos : o digital como objeto de pesquisa

5Seus trabalhos evidenciam uma longa trajetória de estudos sobre diferentes ambientes digitais. Quando e como o digital se tornou um objeto de pesquisa para você ?

Mais exatamente no meio do doutorado (realizado entre 1992 e 1997). Nesse período passei a frequentar com assiduidade os ambientes digitais existentes, como as salas de chat do UOL, AOL, Yahoo, Alternex, Terra (que antes teve outro nome), participando das famosas listas de discussão que esses portais mantinham, além de participar do Mirc e ICQ para falar e conversar sobre diferentes assuntos, dentre eles, as telenovelas que eram meu tema de pesquisa na época. Sem saber ao certo, comecei a realizar acompanhamentos sistemáticos sobre como certos temas estavam migrando para esses ambientes de forma mais ou menos organizada, bem como aconteciam as trocas e o compartilhamento das novas sensações diante das "experimentações de si", especialmente no caso das salas de chat do UOL nas quais se entrava com um nickname e podíamos, já naquele momento, construir uma persona para interagir. Comecei a explorar e cultivar muito essa possibilidade e achava fascinante entrar numa daquelas salas ou canais e com um nickname teclar sobre os mais variados assuntos, indo de uma sala para a outra. Acabei conhecendo muita gente dessa forma.

Naquela época não se falava nada sobre isso na universidade e o único meio digital legítimo era o e-mail para fins ainda muito restritos e burocráticos. Finalmente, após a defesa da tese, me senti mais livre para enveredar nesta direção. Acho que o tema do consumo facilitou bastante, porque me permitiu fazer a passagem para o meio digital sem muito trauma ou problema de consciência. Eu passei a enunciar e formalizar mais e melhor o meu interesse pelo estudo da e na rede.

Meu primeiro projeto durante anos se intitulou "Sistemas híbridos de produção, circulação e consumo de informações na Internet". Já conhecia Bruno Latour porque havia lido seu livro - Jamais Fomos Modernos (1994) - para a minha tese. Escrevi para fins acadêmicos no Sistema Lattes (que à época estava sendo construído) que estava interessada em acompanhar as audiências de tevê nesses ambientes digitais, em função da maior difusão das redes de tevê à cabo no Brasil que aumentaram significativamente e, com elas, trouxeram "de volta" as séries estadunidenses. Decerto, elas impulsionaram o crescimento das listas de discussão do Yahoo e das salas de chat em geral. Cheguei a participar de muitas listas de discussão sobre séries específicas e isso foi me dando a certeza de que havia mudado inteiramente meu campo empírico e também o meu objeto de pesquisa. Coincidentemente, foi nesse período que deixei de assistir telenovelas e a televisão aberta. Digamos que dei um fim ao meu campo anterior.

6Então, podemos dizer que o digital representou para você um novo campo de pesquisa ou uma mudança em um campo anteriormente constituído ? 

Ambas as coisas. Naquela época eu estava muito voltada também para os Estudos de Consumo e as pesquisas e atividades eram praticamente todas realizadas no offline. A primeira década do novo milênio, apesar da existência da rede, representou o auge do consumo e do varejo, assim como dos shopping centers. O Rio e o Brasil estavam vivendo a todo vapor a "era dos shoppings". Mas estava muito atenta ao que acontecia na rede. Conforme relatei na resposta anterior, a virada tecnológica no campo da comunicação no Brasil trouxe consigo um outro formato teledramatúrgico que alterou profundamente o panorama das audiências de TV no Brasil que, de 1965 até então esteve sob a hegemonia do gênero telenovela (transmitido por emissoras como Rede Globo, TV Manchete, SBT etc.). Portanto, o crescimento das redes de televisão à cabo no Brasil não representou somente uma mudança de campo, mas também de objeto, pois, percebi que as séries, ao contrário das telenovelas, se prestavam mais às discussões na Internet e aos temas que passavam a ser discutidos nelas e nas redes, no caso o Orkut, por exemplo. Eu tinha isso muito claro para mim, embora fosse muitas vezes difícil de enunciar adequadamente. Conversar sobre novelas oralmente, como sempre fizemos é uma coisa que só cabe dentro de uma razão sociológica brasileira própria. Acho que deixei isso claro no meu trabalho, publicado em livro, sobre as telenovelas (Gomes, 1998). Mas quando as séries de TV à cabo entram em cena, essa forma de recepção oral, através da conversação presencial sofreu uma mudança radical, pelo menos em determinadas faixas etárias. Essas conversações passaram a ser através dos chats e nas listas de discussão que eram escritas, mas que produziam um "engajamento" muito forte que não passou despercebido pelos produtores. Só o fato de ser escrito já representou uma mudança radical no rumo que as discussões começaram a tomar. Então, por participar muito dessas listas, comecei a observar com atenção como elas eram organizadas e passaram a ter uma importância fundamental para a própria produção desses bens culturais, isto é, para consolidá-los no gosto do público. Participar e acompanhar as discussões nessas listas de discussão (audiências) ou comunidade de uma determinada série no Brasil tornou-se um campo empírico e um objeto de pesquisa, porque comecei a constatar que, a despeito da importância do marketing institucional e impulsionado pelas empresas produtoras, foi esse marketing "autêntico" e consentido - isso que hoje é chamado de engajamento - que passou a interessar a elas por gerar muito mais resultados - lucros e ideias - para a indústria do audiovisual, virando uma espécie de menina dos olhos para eles. Li muita fanfic nesta época e cheguei a escrever algumas sobre minha série preferida da época. Essa mudança tornou-se um aspecto intrigante para mim, porque sem as listas de discussão, as séries também não teriam, pelo menos no Brasil, se tornado um vetor importante para as mudanças na cultura de massas no Brasil, inclusive, formando uma nova geração de consumidores de bens culturais audiovisuais bastante diferente das anteriores, mais híbrida e mais cosmopolita, mais letrada e menos apegada às representações audiovisuais dos dramas locais. O problema, lembrando Bourdieu, é que o campo da Antropologia no Brasil era muito resistente a considerar essa questão da comunicação de massas e até mesmo da Internet como uma "problemática obrigatória" da antropologia, mesmo no contexto da antropologia urbana. Mas para mim, já havia uma convicção de que essa virada geraria uma mudança no cenário político e cultural do país. O que vemos hoje com mais clareza por conta de outra virada que falarei mais adiante, é o resultado dessa "primeira virada" que ocorreu na comunicação audiovisual no Brasil no final dos anos 1990, em diante. Entre Roque Santeiro (1985), Pantanal (1990), Rei do Gado (1996) e Lost (2004), houve uma ruptura no perfil de consumidores e nas formas de se relacionar com o audiovisual (ainda teledramatúrgico) no Brasil, formas essas que haviam sido construídas através do consórcio entre o regime militar e a Rede Globo, para o bem e para o mal. Eu diria que houve uma "revolução" entre aspas, porque ela passou meio que desapercebida do mainstream acadêmico, mesmo na área de comunicação. Quando consegui publicar algo a respeito dessa questão, estávamos em 2007 e 2008 e o meu artigo chamou atenção de algo que não era ainda muito discutido. Mas aí o tsunami já havia passado e já estávamos em outra paisagem, a da Internet 2.0, no ambiente Orkut, no YouTube, no Facebook e no Twitter.

7Tendo em vista as mudanças dos padrões de consumo de audiovisual que estimularam novas formas de interações online, as quais você mencionou, podemos dizer que o digital se tornou um objeto de pesquisa para você a partir de mudanças empíricas no seu campo de investigação ? Ou foi devido a mudanças teóricas ?

Mudanças empíricas e teóricas. Passei a observar e acompanhar as séries de TV à cabo, inicialmente acompanhando pela televisão e participando das listas de discussão em chats. Mas em seguida, entrei na onda de baixar os torrents das temporadas americanas, cuja transmissão dos episódios era mais adiantada do que as temporadas que passavam aqui. Comecei a fazer parte de grupos que baixavam o torrent e depois disponibilizava nas comunidades das séries e passei a ajudar também na preparação das legendas. Acho que a nossa geração ajudou a aperfeiçoar o Google Tradutor porque o usamos bastante, depois corrigíamos o português e postávamos nos sites de legendas. Isso consolidou amizades, parcerias e muita gente se conheceu nessa época.

Como sabemos, a teledramaturgia estadunidense é completamente distinta da brasileira, apoiando-se mais no formato das séries de TV. Essas séries costumavam ser temáticas : dramas hospitalares, jurídicos, etc. Na medida em que assistia, baixava e ajudava nas formas de acesso aos conteúdos, meu ponto de observação passou a ser o que essas pessoas sentiam e como elas também tomavam para si certas questões debatidas nas séries ou que acompanhavam essas séries e se tornavam fãs delas. Em dado momento, estas categorias fãs, fansites e fanarts começaram a ter muita importância em minhas observações, porque esses fãs não se limitavam a discutir as séries apenas. Com o advento da Internet 2.0 surgiu a possibilidade de eles se expressarem de outras formas em seus blogs, criando fanfics, fanarts como vídeos etc. Sem dúvida, o Orkut e o YouTube permitiram e facilitaram todas essas práticas que passaram a ser compartilhadas nas comunidades do Orkut (cada série possuía suas comunidades próprias). Meu primeiro artigo sobre este assunto foi publicado em 2007 na revista Horizontes Antropológicos

8Sua trajetória de pesquisa permite uma visão de longa duração sobre as continuidades e descontinuidades do consumo nas mídias de massa e nas novas mídias. O artigo “Fansites ou o ‘consumo da experiência’ na mídia contemporânea”, mencionado por você, disserta sobre como a organização dos fãs-clubes brasileiros na Internet trouxe à tona alterações no modo de consumo de séries de TV estadunidenses. Agora, você traz a noção de engajamento, relacionando-a com esse marketing autêntico dos consumidores. Passados aproximadamente 15 anos da publicação do artigo, como você avalia o impacto das mudanças pelas quais passou a Internet, principalmente no que diz respeito ao surgimento e popularização de novas plataformas comunicacionais, na produção de fanarts e no consumo da experiência ?

O impacto é que esse "marketing autêntico dos consumidores" foi muito bem apropriado pelos departamentos de marketing das empresas de tecnologia do Vale do Silício. Se no início, ele pode ter causado estranheza, no momento seguinte a atitude diante desse vastíssimo manancial foi no sentido de encará-lo como uma janela de oportunidade para o futuro das redes. Não por acaso, seus proprietários, CEO´s tornaram-se bilionários. O pragmatismo das empresas resolveu o problema, deixando claro que esta participação não só era bem-vinda, mas que deveria ser estimulada para ser ampliada, aprofundada e até tornar-se coercitiva através dos novos arranjos algorítmicos para se tornar contínua. O resultado dessa "virada" é que este marketing autêntico e agora coercitivo, transformou-se em mercadoria e passou a constituir a principal fonte de riqueza das redes, atraindo todos os empresários, e até mesmo trabalhadores precarizados. É aí que se encontra os fundamentos do que chamamos hoje de capitalismo digital, economia digital - ou seja, nosso engajamento - autêntico, mas coercitivo - é um dos princípios de exploração da rede e, quanto mais ela vem digitalizando todas as áreas da vida, mas somos afetados, uma vez que podemos ver nisso alternativas de ganhos. O mais embaraçoso é que, de fato, muitas pessoas acreditam, sentem-se realizadas e gratificadas com este novo arranjo das redes sociais.

9O digital te propiciou constituir novas perguntas e/ou novos materiais de pesquisa em seu campo ?

Sem dúvida, especialmente quando decidi ingressar no Second Life em 2007. Ali me deparei com outras possibilidades de pesquisa em todos os sentidos, desde o campo empírico e mesmo objetos e problemas. Naquele momento tive certeza absoluta que meu interesse doravante seriam os estudos sobre tecnologias digitais e esses ambientes, especialmente este ente técnico que é o avatar. Fui profundamente afetada por tudo isso e por ter consciência deste fato, usei bastante minha experiência para buscar meus outros interlocutores e poder formular e enunciar melhor os problemas.

10Alguns autores percebem a existência de um corte histórico nas pesquisas sobre a Internet por volta de 2012 e 2013, devido a mudanças na organização do digital e nos modos como se dão as interações nesses ambientes. Como você observou esse corte ? Que inflexão ele exerceu sobre a sua pesquisa ? Em que direções você acredita que a Internet se orientou a partir daí ? E quais os recursos analíticos você acredita serem úteis para compreender essa virada ?

Sim, para mim, houve uma mudança significativa na Internet que se iniciou com as primeiras "revoluções coloridas" e as divulgações do Wikileaks sobre a Guerra do Iraque em 2007. Mas naquele momento, não me pareceu de imediato que o uso das redes sociais estaria sendo considerado algo que fazia "parte das operações", no caso das "revoluções coloridas", mas um acontecimento até certo ponto inevitável relacionado à comunicação e que, portanto, não afetaria os usos civis das redes. Hoje já temos comprovação suficiente e abundante na literatura demonstrando que as redes já foram pensadas como dispositivos fundamentais destas operações, e que seus usos e efeitos não eram colaterais apenas para fins de comunicação. Mais ainda, a médio prazo visavam atingir os usos civis da Internet para retirar de cena a ética da cultura livre.

O rompimento desse paradigma da "cultura livre" pode ser pensado a partir dos rumos tomados no julgamento de Aaron Swartz, preso em 2011 pela polícia do MIT, acusado de invasão e culminando com sua condenação extremamente rigorosa - ou exemplar, como queiram - do ativista, levando-o ao suicídio. É interessante observar que, enquanto pessoas da área tecnológica o defenderam publicamente durante o julgamento, as empresas de tecnologia não. Do ponto de vista do pivô da questão, mesmo quando o MIT retirou a acusação de invasão, a JSTOR não o fez.

Paralelamente, houve naquele período muitas mudanças significativas nas redes sociais, nas quais "a mão invisível do mercado" tornou-se cada vez mais presente. Logo em seguida, aqui no Brasil, durante a primeira campanha de Dilma Roussef à presidência, constatei que os usos para a campanha haviam aumentado significativamente na rede. Na segunda eleição idem, e aí chegamos a 2013. Como acompanhei bastante os eventos pela rede e pude observar a transmissão das movimentações em tempo real e depois gravadas e transmitidas pelas mídias independentes fui percebendo que certas situações tinham relação direta com as redes sociais, e que havia uma certa intenção nisso, enquanto as mídias oficiais mantinham o padrão conservador tradicional. O resultado disso, é que houve uma polarização na rede, enquanto, passou-se a falar mais de algoritmos, como se estes não existissem antes. Ainda em um primeiro momento, considerei que esta polarização, seria resultado da liberdade de expressão, uma vez que as mídias tradicionais não expressavam aquilo que muitos usuários percebiam, sentiam ou gostariam de dizer.

Pouco tempo depois, constatei que havia, de fato, um novo arranjo na forma como essa polarização estava sendo construída e o quanto ela dependia das redes sociais. Os anos seguintes, de 2014 até 2016, só serviram para confirmar o que eu comecei a perceber em 2013 e 2014. No meu caso, eu mesma tive de mudar completamente meus hábitos de uso das redes, desfiz contatos e passei a buscar informações sobre aqueles grupos que se autodeclaravam de direita, contra o PT e favoráveis ao impeachment da Dilma. O primeiro passo foi passar a usar menos pessoalmente as redes sociais. Em seguida, passei a seguir blogs e grupos sobre temas específicos e quanto mais a situação política no Brasil foi se agravando e deteriorando-se, especialmente a partir do impeachment da Presidente Dilma, da Lava-Jato, da prisão de Lula e depois das eleições de 2018, ficou evidente para mim que a Internet tinha se transformado completamente.

Lamentavelmente, ela havia sido apropriada como parte integrante e constitutiva da guerra híbrida instalada a partir do governo Temer. A Lava-Jato é um fato emblemático desse tipo de situação, já aí com o apoio da mídia tradicional, ao mesmo tempo que a resistência a ela também estava sendo cada vez mais realizada pela e através das redes sociais. Finalmente, o Brexit, as eleições de Trump e as eleições brasileiras de 2018 não deixaram dúvidas de que as redes sociais - não me refiro à Internet como um todo - haviam sido catapultadas pelas disputas políticas locais, nacionais e globais. Agora mesmo estamos vivendo uma situação absurda que é o cancelamento total da Rússia, começando pela mídia oficial russa. E aí nos deparamos com o fato de que a Internet das BigTech virou um dispositivo do Departamento de Estado Americano.

Finalmente, no plano nacional, a pandemia reafirmou também esta convicção, por conta dos inúmeros problemas que tivemos nas eleições do atual Presidente e, mais adiante, quanto às atitudes negacionistas tomadas pelo então Presidente Bolsonaro e seus ministros.

Parte II  Diálogos com o Norte Global

11Ao longo de sua trajetória de investigação e orientação nesse campo, quais as principais perguntas e textos de autores do Norte que tem orientado sua abordagem do digital ?

Até 2007 eu utilizava bastante a literatura clássica de Antropologia e Sociologia. Usei bastante Geertz, o interacionismo simbólico de Becker, Goffman, usei e ainda uso bastante Simmel e mesmo Lévi-Strauss. Quando Daniel Miller começou a pesquisar redes sociais e realizou aquele primeiro trabalho sobre o Facebook, Tales from Facebook (2011), passei a lê-lo, segui-lo. Considero os livros da Sherry Turkle, A vida no ecrã (1997) e The Second Self (2005), dois clássicos. Gosto e uso ainda bastante a Donna Haraway, do Manifesto Ciborgue (2000), embora eu tenha lido muitas outras coisas também. Bruno Latour tornou-se o pesquisador europeu mais importante para mim por causa da teoria ator-rede, ela continua sendo uma boa caixa de ferramentas. Neste momento, venho incorporando Tim Ingold e Alfred Gell, mas incorporei também Roy Wagner, especialmente os últimos trabalhos dele. Não consegui me afinar muito com os estudos de comunicação propriamente ditos, mas agora venho lendo muito sobre semiótica e tenho incorporado algumas coisas. Eu me reapropriei também muito da literatura sobre consumo que eu já havia estudado bastante. A questão para mim, é que muito rapidamente passei a me interessar pelos ambientes imersivos também. Os jogos e os mundos virtuais foram chegando e eu fui experimentando esse outro lado da Internet, enquanto a grande maioria dos pesquisadores brasileiros estavam debruçados sobre as redes sociais. Foi nessa ocasião que iniciamos o nosso GT1. Acho que a partir daí, minhas leituras e bibliografia passaram a ser escolhidas conforme o grupo foi se organizando, se apresentando e compartilhando seus trabalhos. Acho que a importância do GT enquanto um coletivo foi fundamental no sentido de estabelecer uma rede em todos os sentidos, o que implica na criação de uma linha de pesquisa, projetos que conversavam entre si, parcerias em coautorias, publicações e penso que em relação a todos esses movimentos fomos muito bem-sucedidos em vários desdobramentos e perspectivas, justamente pelo fato de termos consolidado o GT e a continuidade que tivemos.

12Como essas leituras foram se modificando no desenvolvimento de suas pesquisas e orientações ?

Pois é, na medida em que fui aprofundando meu trabalho de campo no Second Life, e também fazendo orientações sobre o digital, observei que tinha à minha disposição muitas possibilidades para explorar. Aprendemos muito com nossos orientandos. No meu caso, além dos avatares e até por conta de outras discussões fora do digital, por exemplo, discussões ambientais, sobre meio-ambiente, passei a ter muito mais interesse pela materialidade desses mundos virtuais e pelos próprios objetos técnicos que se fazem lá dentro para serem usados lá dentro pelos residentes. Eu passei a explorar muito isso, levando minha bagagem dos estudos de consumo, mas passei a ampliar minha perspectiva teórica. Assim, adentrei pela estética, pela filosofia. Passei a usar muito a teoria literária, literatura, autores como Gell, Sennett, Ingold, novamente Bruno Latour e, recentemente, além de Freud e Elias, passei a estudar Bachelard também. Eu venho abordando os mundos virtuais sob a ótica do tema do "maravilhoso", explorando essa relação, não apenas literária, mas histórica entre magia e técnica, então creio que a própria historiografia me deu elementos para pensar sobre a relação entre magia e técnica desses pontos de vista e ela tem me empurrado também para uma antropologia da técnica. Isso foi me levando para o Romantismo, para a literatura gótica e, obviamente para a ficção científica. Quando li o texto de Alexandre Nodari sobre antropologia especulativa, especialmente a discussão dele sobre Clarisse Lispector, senti muito alívio porque é exatamente o que me interessa fazer neste momento.

Infelizmente, estamos vivendo um momento medonho de nossa história e enquanto antropólogos estamos muito presos ao "aqui e agora", tragados pela tragédia política nacional e não posso me evadir completamente para dedicar-me e vislumbrar esses novos caminhos. Mas agora com a história dos metaversos, terei de me posicionar a respeito porque venho lendo na mídia muitos absurdos sobre isso. Preciso preparar algo que faça jus aos meus quatorze anos de Second Life.

13Você observa tensões entre esses conceitos e a empiria sobre a qual trabalha ?

Sim, observo muitas tensões, porque a maioria dos textos que leio e até oriento sobre os problemas sociais que vivemos não contempla devidamente a questão tecnológica, os usos mesmos das tecnologias digitais até mesmo para se fazer o próprio trabalho que é a redação da dissertação etc. As pessoas naturalizaram de forma alienada a pervarsividade da Internet e quando não o fazem caem nos estereótipos sobre técnica e tecnologia como formas de desumanização, exploração etc. É claro que isso existe na rede, por toda a Internet e que já saímos da sua fase "celebratória" ou mesmo de vê-la como uma panaceia e uma communitas como disse o Bruno Zilli, mas as pessoas ainda não realizaram o fato de que, apesar disso, não se pode falar mais sobre nada, sem sermos atravessado pelas redes, o que nos impõe pensar a respeito de seus usos e a importância disso para nós aqui do Sul.

A todo momento recebo conteúdos enviados por movimentos e coletivos políticos, indígenas, negros, feministas, gênero, ambientalistas etc. A maior parte desses conteúdos é via digital, através das redes, blogs, etc., mesmo antes da pandemia. Como ignorar este aspecto fundamental de nossas vidas ? Eu leio artigos inteiros na Internet de pessoas importantes e bem situadas em todos esses debates, consigo acompanhar muita coisa que acontece, sou bem informada a partir das redes que acesso. Não conseguiria ler ou me informar melhor do que isso, se fosse ainda tudo impresso ou via rádio e TV. Hoje desfruto de bibliotecas digitais, repositórios de livros, artigos e arquivos que me permitem dar aulas, montar cursos e orientar alunos. Não dependo mais de xerox ou de impressoras. A qualidade do material didático e de pesquisa que posso mobilizar em questão de horas para disponibilizar e compartilhar com alunos de Graduação e de Pós- é enorme. Isso não é bom ? Como deixar isso de fora ? Tudo bem, vivamos a nostalgia do jornal, do rádio, da TV, do livro impresso, da escrita à caneta e tal, mas papel hoje significa árvores derrubadas, sustentabilidade, emissão de carbono. Onde está a coerência do discurso ambientalista nesta discussão ?

Isso me faz pensar que este discurso ambientalista no Brasil é ainda bastante elitista, porque ele é eivado de um tipo de passadismo e nostalgia que diz respeito somente às elites e às camadas médias. Quem podia comprar livros, revistas, assinar jornais, publicações etc. ? Quem podia ter máquina de escrever, canetas, comprar cadernos, papel etc. ? O interessante é que muitas dessas mesmas pessoas que criticam a Internet possuem carro há muito tempo e o consideram ainda indispensável. Gastam com gasolina e evitam usar transporte coletivo. Nunca dirigi a despeito da estranheza que isso possa causar, porque sempre fui contra carro. Para mim, o carro é minha tecnologia vilã ou do mal e considero essa cultura do carro um dos maiores problemas urbanos que temos por causa do trânsito da emissão de carbono, e isso é em grande medida causado pelo consumo excessivo de carros, por conta dessa política de que todos devem ter um carro. Não cabe no planeta cada um ter seu próprio carro, é fato. Mas não sei se o mesmo se aplica a smartphones, afinal, emitem carbono, pelo menos eles cabem na bolsa e possuem múltiplas aplicações e funções. E aí vêm me falar da tecnologia digital como se ela fosse a grande vilã da história. Por que as pessoas acham que precisam de um carro só para elas ? A resposta que dão é porque não existem transportes coletivos adequados. Eu sempre andei de barca quando trabalhava no Rio. Qual o problema ? Por que as pessoas não andam de ônibus ? Eu sempre andei, inclusive ficava em pé, até recentemente antes da pandemia. Saia da UFF e pegava meu ônibus. Sempre aprendi muito andando de ônibus, metrô, etc. Enfim, há um discurso muito contraditório entre consumismo, ambientalismo e tecnologia, ainda eivado de preconceitos e bastante seletivo, pois atinge a determinadas tecnologias somente.

É claro que as redes sociais trouxeram muitos problemas e desafios, mas nada se compara com trinta anos atrás que estávamos limitados ao Jornal Nacional, Globo Repórter e... telenovelas ! Todas as questões e debates nacionais eram mediadas e controladas pela Rede Globo e suas operadoras ! Hoje eu nem chego perto de um aparelho de TV, não sou obrigada a saber qual é a telenovela que está no ar e sequer penso mais no assunto. Também não vivo pendurada em redes sociais. Tenho meu momento de informação necessário e ponto. Uso muito mais a Internet para fazer pesquisa, buscar informações que me interessam. Nesse sentido, ela é a melhor tecnologia de que dispomos, nós pobres mortais que vivemos na periferia dos grandes centros culturais do mundo.

Em pouco tempo, os metaversos serão uma realidade cotidiana. E se as redes causaram tantos problemas, eles causarão muito mais, por conta das peculiaridades das engenharias envolvidas, dos entes técnicos que virão e dessa resistência que ainda temos em nossa disciplina para se estudar tecnologia e técnica. Quanto mais recuo no tempo e na direção de outras disciplinas, especialmente a história, a filosofia, a psicanálise, a literatura e a estética, mais enxergo e vislumbro a necessidade de abordarmos essa discussão de uma forma global, não apenas uma parte dela - aquela que nos interessa de imediato. Então, a tensão que prevejo para os próximos anos é exatamente no campo dessa outra virada da tecnologia digital que será bem diferente dessa com a qual lidamos hoje e reclamamos tanto, apesar de desfrutarem bastante de suas vantagens. No caso dos metaversos, chega a ser engraçado porque quando converso com meus colegas e depois com meu neto de seis anos vejo que já existe um abismo e a criança de seis anos já entende melhor a situação do porvir do que os adultos. Sinceramente, em muitas situações meu neto tem mais a me dizer sobre o mundo que há porvir. Então meu conselho para quem realmente não suporta ou tolera tecnologia : a partir de agora procurem ter por perto uma criança pequena, um filho, um neto, porque vai precisar de uma e quanto mais nova, melhor. Não estou brincando.

Do ponto de vista do campo da antropologia estritamente institucional, observo que a antropologia está de luto. Tudo o que nos aconteceu justifica isso e eu compreendo. Há realmente um mundo que acabou para nós. Mas também penso que este mundo que acabou é um certo mundo que tinha mais a ver com o Norte e o Ocidente europeu, porque fomos (in)formados por ele. Então eu tenho esperanças que quando a coisa implodir lá em cima, outros mundos virão e novas antropologias existirão para dar conta deles. Aqui embaixo somos ainda tratados como periféricos, embora isso tenha mudado bastante e graças a essas outras antropologias com as quais passamos a interagir. Graças à tecnologia digital nos permitimos acessar outros centros de produção do conhecimento antropológico. Tenho muito interesse pelo que se faz na Índia e em outros países, por exemplo. É interessante, a Índia, ao mesmo tempo que possui uma civilização tradicional, do ponto de vista da tecnologia digital é muito avançada, ao ponto de exportar muitos profissionais dessa área. Agora entram em cena a China e a Rússia, em suma, a Eurásia, enfim, um mundo orwelliano que nos aguarda. Enfim, apesar das tensões, tenho muita curiosidade para ver o que acontecerá com nossa disciplina nessa próxima década.

Parte III – Metaversos e ambientes imersivos

14Você falou sobre o papel que os metaversos provavelmente terão na vida cotidiana. Podemos dizer que isso trará grandes desafios ao trabalho de campo e que jogará uma nova luz aos trabalhos já publicados sobre ambientes imersivos. Você pode compartilhar conosco suas reflexões sobre o tema ? Quais as diferenças do metaverso para as plataformas comunicacionais mais utilizadas hoje ?

Creio que minha experiência como residente e pesquisadora no Second Life que já dura quinze anos pode ajudar bastante para estabelecermos alguns parâmetros de avaliação. Em primeiro lugar, o que empresas como a Meta chamam de Metaverso é muito incipiente ainda. Para muitos, a tecnologia do Second Life é "ultrapassada", porque é mais antiga, já que ela não permite (ainda) a "realidade expandida", isto é, a imersão na forma de uma continuidade offline/online que o oculus rift permite. Mas existem muitas controvérsias em relação a esta vantagem tecnológica. Além de pouco acessível ainda, pelo menos no Brasil atual, de que adianta termos a realidade expandida se ao chegarmos lá dentro, não podemos fazer as coisas do nosso jeito, começando pela singularização do avatar ? Este é um tema crítico.

Phillip Rosedale, criador e fundador do Second Life e atualmente seu CEO, vem chamando atenção para este aspecto, quando diz que nem todo mundo deseja entrar em um mundo com a aparência de um cartoon. Cenários, paisagens e o próprio avatar precisam ser singularizados e muito menos se atribuir a eles e aos seus donos funções, papéis, atividades e comportamentos específicos a priori. Não é isso o que se espera de um metaverso - ou seja, que ele seja uma sucursal corporativa. Este projeto de comoditização da vida humana pelos departamentos de marketing e dos recursos humanos das corporações, já é em si um equívoco.

Mas enfim, para não parecer apocalíptica, é possível que alguns desses metaversos vinguem por algum tempo pela natureza econômica deles, ou melhor, pelo estímulo financeiro, rentista em torno das criptomoedas. De fato, a mineração de criptomoedas poderá vir a ser um estímulo inicial que faça com que muitos ingressem nesses metaversos para iniciarem sua socialização em relação às novas moedas. Ou até mesmo trabalhem neles por uma questão de oportunidade. Há uma grande especulação em torno dessas questões relacionadas ao trabalho e às novas moedas. Mas nada disso, pode ainda determinar a trajetória ou biografia social que esses ambientes terão. No Brasil, ainda sequer sabemos como será o acesso às formas de conectividade, porque a maioria da população, mesmo as camadas médias, está empobrecida e não possui recursos para comprar oculus rift e equipamentos para este tipo de investimento. Então, na prática, os metaversos é algo mais virtual do que se imagina.

Além disso, para quem já teve alguma experiência com esses ambientes sabe que esta "realidade" que pretende ser A REALIDADE, na forma de desenho animado ou cartoon é bastante estranha porque cognitiva e subjetivamente ela não foi assimilada. Além disso, a “vida real” neste momento, apesar dos enormes problemas e desafios não está permitindo isso. Até mesmo pelas dificuldades da vida offline, não dá para as pessoas apostarem em um regime de vida alternativo onde tudo parece ser um jogo, um parque de diversões ou um shopping. Felizmente, a mente humana é mais complexa. Uma coisa é uma empresa criar um ambiente imersivo corporativo para reunir seus funcionários, outra coisa é fazer um lugar onde todas as pessoas possíveis do mundo adentrarão para viver boa parte de suas vidas. Isso é totalitário demais, e ao mesmo tempo ingênuo. A vida não é um problema apenas corporativo, tecnológico e econômico. Mesmo existindo uma geração mais propensa, isso não resolve.

Em todo o caso, admito que chegamos no momento em que precisamos nos haver com o conceito de mundos paralelos, mas ele exige ilustração científica, filosófica e literária a respeito, algo que está bastante distante da perspectiva das corporações e do marketing que colonizaram a Internet.

Nesse sentido, o contraponto com o SL é bom porque este metaverso teve tempo suficiente de desenvolver sua tecnologia e sua proposta de “um modo de existência” próprio e alternativo sem excluir a vida real. De fato, o que existe é, de fato, uma "subcultura" própria consolidada onde predomina a confiança, e valores que ainda estão próximos da ética do compartilhamento e da colaboração. Existem problemas, conflitos, mas existem regras e formas de administrá-los e elas são percebidas como razoáveis pelos residentes. Enfim, existe um processo de rotinização daquela vida do qual todos os residentes participam, são informados e até discutem. A Linden Lab possui uma série de fóruns nos quais os residentes discutem e participam, existem muitos grupos nos quais vários aspectos daquele mundo são debatidos. Há uma socialização muito intensa e ela produz formas de sociabilidade também muito variadas, diversas e fortes. É um mundo onde os laços fortes prevalecem, apesar de o residente não precisar se remeter à sua identidade civil offline. Ele faz isso se quiser. Mais ainda, não há uma crença ou cultura de desvalorização ou de substituição pela vida real, a vida offline. Isso é fundamental ! Então, a cultura do SL é bastante específica e muito consolidada, até porque ela não pretende ser um ambiente massivo.

15Os seus trabalhos pioneiros sobre ambientes imersivos posicionam os games online como possíveis campos de pesquisa. Em seu artigo mais recente, "Second Life comme espace de sociabilité pendant la pandémie de COVID-19" (Leitão ; Gomes, 2021), vocês apresentaram dados do aumento de número de usuários no Second Life e em outros games online durante o período da pandemia do Covid-19, mostrando a importância desses espaços para a investigação antropológica contemporânea. A partir da sua experiência de pesquisa e de orientações, que sugestões de tópicos de pesquisa você daria às pessoas interessadas na investigação dos games ?

Existem muitas possibilidades em aberto. A primeira delas é acompanhar e observar de forma sistemática e consistente alguns desses metaversos que já se encontram em funcionamento e o que eles oferecem em termos de serviços, entretenimentos, trabalho, atividades financeiras, jogos etc. O Decentraland, por exemplo, é um metaverso que oferece uma variedade grande de atividades e pode ser acessado no Brasil através de um PC, sem o uso do oculus rift, o que pode facilitar esta observação por pesquisadores brasileiros. No caso do Meta, há a necessidade do uso de oculus rift, mas para quem já possui este acessório, é uma questão de disposição para explorá-lo, embora ele não esteja totalmente desenvolvido.

Do ponto de vista antropológico e sociológico, o fato mesmo de esses mundos estarem ainda sendo implementados pelas empresas que os patrocinam e/ou administram, tornam essas observações necessárias e importantes. Paralelamente, é importante também acompanhar como esses metaversos, se "consolidados", influenciarão a Internet como um todo, desde as redes sociais, até mesmo os demais ambientes imersivos, como os games e outros mundos virtuais como o SL.

Creio que em termos de tópicos, alguns temas permanecem importantes nesses metaversos : a economia, especialmente a questão do consumo de bens digitais, como terrenos, casas, acessórios para avatares, formas de sociabilidades etc. A questão dos NFT´s não deixa de ser atraente e importante. Outro tema importante são os regimes de self que irão surgir e como serão concebidos, experimentados em cada um desses metaversos e quais serão as consequências disso em relação à vida offline.

Que "sujeitos" serão produzidos nesses metaversos para atuar neles e como isso impactará na vida real como um todo ? Certamente é importante investigar a fundo as relações de trabalho e a economia que poderão resultar desses empreendimentos e, enfim, como isso impactará em termos geopolíticos e frente à questão ambiental que estamos vivendo. Em que medida metaversos são independentes desses fatores ? Essas coisas não possuem vida própria, pelo menos por enquanto. Sobre a questão geopolítica, como ficam esses metaversos em um mundo que tenderá a ser multilateral ?

Finalmente, é importante dizer que com relação à pandemia, de fato, houve uma procura maior de ambientes imersivos. Mas não sabemos ainda se essa procura teve relação direta com os metaversos, ou melhor, se eles foram pensados a partir da experiência do distanciamento social, ocorrido a partir de 2020. De qualquer forma, no caso do Second Life houve um aumento da população de usuários frequentadores, fossem de antigos residentes que retornaram ou mesmo de novos usuários. A maior parte dos jogos também recebeu um número maior de jogadores. De fato isso aconteceu, mas é preciso continuar a pesquisar para saber se esses usuários, residentes e jogadores continuaram após a diminuição da letalidade da pandemia.

Bibliographie   

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GOMES, Laura Graziela, "Avatares : o maravilhoso e o estranho no second life 1", Estudos Históricos (Rio de Janeiro), 2020, 33 : 173-195.

GOMES, Laura Graziela, "Fansites ou o ’consumo da experiência’ na mídia contemporânea", Horizontes Antropológicos, 2007, 13 : 313-344.

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HARAWAY, Donna, Manifesto ciborgue. Antropologia do ciborgue. Belo Horizonte : Autêntica, 2000.

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TURKLE, Sherry, The second self : Computers and the human spirit, Cambridge : MIT Press, 2005.

Notes   

1 Laura Graziela Gomes participou da coordenação do primeiro Grupo de Trabalho de Cibercultura e Antropologia proposto em uma das edições da Reunião Brasileira de Antropologia.

Citation   

Jair de Souza Ramos et Renan Alfenas de Mattos, «As mudanças no campo do digital : entrevista com Laura Graziela Gomes», Cultures-Kairós [En ligne], mis à  jour le : 12/04/2023, URL : https://revues.mshparisnord.fr:443/cultureskairos/index.php?id=2010.

Auteur   

Jair de Souza RamosRenan Alfenas de Mattos