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Ritmo, gesto e materialidade : notas etnográficas sobre papel da tecnologia na formação de DJs de MEP

Rafael MALHÃO
juillet 2014

DOI : https://dx.doi.org/10.56698/cultureskairos.885

Résumés   

Résumé

Ce texte tente d’articuler une perspective théorico-méthodologique autour du rythme et une recherche de terrain menée au sein de deux cours pour la formation de DJs de Musique Électronique de Piste (MEP). Il se divise en deux parties : la première expose les principes théorico-méthodologiques adoptés, et la seconde présente les situations ethnographiques qui sont en synergie avec les principes exposés en première partie. La discussion centrale du texte renvoie au rôle des technologies dans la formation des sens perceptifs (l’audition et le toucher principalement) et aux actions qui leur correspondent pendant le processus d’apprentissage des techniques de DJing. C’est pourquoi notre point de départ est que le mode de perception par les sens n’est pas donné a priori, mais qu’il se constitue plutôt au long des différentes interactions avec l’environnement direct.

Abstract

This work is a joint effort between theoretical and methodological perspective regarding the rhythm and a field survey in two training courses for DJs EDM. Thus, the work is divided into two parts : the first, aimed to expose the theoretical and methodological principles adopted and, the second, which are presented ethnographic situations that are in synergy with the principles outlined in the first part. The central argument of the text concerns the role of technology in the formation of perceptual senses (hearing and touch, mostly) and the actions corresponding to them during the process of learning the techniques of DJing. So our starting point is that the mode of sense perception is not given a priori, and yes, that is constituted along the different interactions with the environment.

Resumo

O presente trabalho é um esforço para articulação entre uma perspectiva teórico-metodológica acerca do ritmo e uma pesquisa de campo em dois cursos para formação de DJs de MEP. Assim, o trabalho está dividido em duas partes : a primeira visa expor os princípios teórico-metodológicos adotados e, a segunda apresenta as situações etnográficas que estão em sinergia com os princípios expostos na primeira parte. A discussão central do texto diz respeito ao papel das tecnologias na formação dos sentidos perceptivos (audição e tato, principalmente) e as ações a eles correspondentes durante o processo de aprendizado das técnicas de discotecagem. Por isso nosso ponto de partida é o de que o modo de percepção dos sentidos não é dado a priori, e sim, se constituí ao longo das diferentes interações com o ambiente.

Index   

Index de mots-clés : Musique et danse électronique, DJ, perception, rythme, technologie.
Index by keyword : Electronic Dance Music, DJ, Perception, Rhythm, Technology.
Índice de palavras-chaves : Música Eletrônica de Pista, DJ, Percepção, Ritmo, Tecnologia.

Texte intégral   

Ritmicidade

1Segundo o dicionário eletrônico Houaiss 3.0 (2009) o ritmo é : « sucessão de tempos fortes e fracos que se alternam com intervalos regulares ». Neste sentido, acredito que pode ser descrito como a forma pela qual o movimento se apresenta ou a própria forma em movimento, por meio de um pulso. O ritmo é fundamental para a percepção, pois pontua sempre o espaço e o tempo por um ataque, um modo de entrada e saída, um fluxo baseado na dinâmica de tensão e distensão. O ritmo é uma das maneiras mais eficazes para se produzir efeitos muito distintos, tais como disciplinar e preservar ou desordenar e dissipar as energias de diversas naturezas. Em seguida, ao tratar da experiência da pesquisa de campo, tento ressaltar a importância do ritmo e seu uso como proposta metodológica que orientou a observação em campo.

2Durante a pesquisa de campo e ao assistir vídeos de DJs discotecando com diferentes tecnologias, percebi que os movimentos e a postura corporal em boa parte se formavam a partir da materialidade e do modo de funcionamento da tecnologia. A partir da percepção desses modos específicos de interação tecnologicamente orientados, três fatores se mostraram relevantes para a compreensão do processo de formação de um DJ de MEP1, a saber : a) materialidade, que diz respeito à forma material do aparato tecnológico ; b) movimento, que aborda a relação de constituição do movimento humano e do movimento da máquina e ; c) o ritmo, parte que engloba os fatores a e b. Pois trata da compreensão da integração do espaço, tempo e dispêndio de energia (LEFEBVRE, 2004), tanto pelo aparato tecnológico quanto pelo humano a fim de um acoplamento eficaz. Pois como já sublinhou Leroi-Gourhan, « [...] o utensílio só existe realmente no gesto que o torna tecnicamente eficaz » (2002 :33). Então, entender o gesto/movimento por meio de um paradigma rítmico é abordar todo o complexo reticular de sócio-gênese em que está envolvida a tecnologia e seu entorno.

3A ritmoanalise é a tentativa que tenta descrever as iniciativas filosóficas que visam o ritmo como um objeto de estudo, e mais que isso, buscam transformar o ritmo em um método de pesquisa. A ritmoanalise é a tentativa de entender os processos naturais e culturais em termos de ritmo. Tal postura ambiciosa parece possível devido à ritmoanalise tentar, na maioria dos casos, adotar como ponto de partida para sua análise o momento anterior à divisão ontológica entre espaço e tempo, ou seja, tendo como preocupação inicial o âmbito intensivo da matéria com vista à constituição das noções de tempo e espaço.

4Bachelard (2000 :136) identifica na obra do filósofo luso-brasileiro Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos (1931) a capacidade de transformar o ritmo em uma perspectiva produtiva. Tal potência se evidenciaria por meio da busca de uma ontologia da vibração, em que a vibração molecular, ou ainda em um nível mais infinitesimal, no nível do quantum, seria o nível que produz o movimento fundamental da matéria (GOODMAN, 2009 :85). Bachelard, em sua obra Dialética da duração (Bachelard, 2000), se aproxima do trabalho de Pinheiro dos Santos com o intuito de fundamentar sua crítica ao conceito de continuidade formulado por Bergson. No capítulo intitulado, justamente, « Ritmanálise », Bachelard se detêm em uma exposição detalhada da teoria ritmoanálitica ao mesmo tempo em que expõe as limitações analíticas do conceito bergsoniano. Esta exposição detalhada feita por Bachelard será um dos pilares de sustentação do projeto ritmanálitico proposto posteriormente por Henri Lefebvre. Com este projeto que não foi acabado, Lefebvre visava superar as análises sobre a produção do espaço pelas quais ficou amplamente conhecido. A partir da perspectiva ritmanálitica Lefebvre viu a possibilidade de operar em três níveis distintos e complementares : o físico, o biológico e psiquíco (BACHELARD, 2000 ; GOODMAN, 2009).

5Mas para além destas referências podemos ver que há uma questão ritmológica presente em um dos fundadores da antropologia francesa, Marcel Mauss, mesmo que ainda seja uma questão de fundo. Mais que isso, em torno dessa questão ritmológica podemos pensar questões de sócio-gênese, ou seja, os meios pelos quais o social emerge e se estabiliza.

Durante cerca de seis meses, nas ruas de Bailleul, muito tempo depois da batalha do Aisne, vi com frequência o seguinte espetáculo : o regimento conservara sua marcha inglesa e a ritmava à francesa. Tinha inclusive à frente da tropa um pequeno ajudante de infantaria francês que tocava cometa e marcava os passos melhor que os demais. O pobre regimento de nobres ingleses não conseguia desfilar. Tudo era discordante em sua marcha. Quando tentava marchar direito, era a música que não marcava o passo. Com isso, o regimento de Worcester foi obrigado a suprimir os clarins franceses. Com efeito, os toques de clarins adotados de exército a exército, outrora, durante a guerra da Criméia, eram toques de clarim de « descansar », de « retirada » etc. Assim, vi de forma muito precisa e frequente, não só quanto à marcha mas também quanto à corrida e seus desdobramentos, a diferença de técnicas tanto elementares quanto esportivas entre ingleses e franceses (MAUSS, 2003 :403).

6Para Lefebvre, o ritmo consiste em « a) Os elementos temporais que são completamente marcados, acentuados, portanto, contrastando, mesmo opostos como tempos fortes e fracos. b) Um movimento global que leva com ele todos estes elementos (por exemplo, o movimento de uma valsa, seja rápida ou lenta)2 »(LEFEBVRE, 2004 :78-79). Este caráter duplo que o ritmo assume nesta perspectiva nos guia a um processo construção do tempo, do movimento e da transformação. Neste sentido a problemática central para Lefebvre está na repetição e nas formas de vir a ser. Aliando esta proposta de Lefebvre a desenvolvida por Leroi-Ghouran posteriormente, busco entender como se constituí um ritmo tecnológico, que pode ser visto como parte importante no processo de sócio-gênese.

Onde há interação entre um lugar, um tempo e um gasto de energia, isto é ritmo3(LEFEBVRE, 2004 :15).

Os ritmos, pelo menos para o sujeito, são criadores do espaço e do tempo ; espaço e tempo só existem como vividos na medida em que tenham materializado um invólucro rítmico. Os ritmos também são criadores de formas. Aquilo que foi dito mais atrás acerca da ritmicidade muscular aplica-se a priori às operações técnicas que acarretam a repetição de gestos a intervalos regulares (LEROI-GOURHAN, 1965 :117).

7Um princípio metodológico centrado no ritmo tem a capacidade de abranger diferentes níveis do modo de existência, isto porque busca por meio da generalização do ritmo, como propõe Bachelard (2000), uma maneira de ser que está relacionada à restauração da forma. É uma característica rítmica aquela em que ocorre uma duração e um esvaecimento em uma dinâmica continua, e este processo estará claramente ligado à formação de uma ou mais características ao afetar os relacionados. E estes níveis afetivos podem ser os níveis fisiológicos, passando pelo individual, pelo social e, por que não, até os níveis cósmicos. Um escopo tão amplo nos favorece na compreensão dos comportamentos operatórios desenvolvidas no processo de interação tecnológica como um tipo rítmico específico. Com isto em mente pretendi compreender e demonstrar por meio de notas etnográficas, de que forma um DJ de MEP se constitui conforme o processo rítmico específico que se estabelece entre ele e diferentes tecnologias.

Todas as ações de que o sujeito é agente ativo entram no seu comportamento operatório, mas sob formas e com intensidades muito diferentes conforme se tratem de práticas elementares e quotidianas, de práticas de periodicidade mais espaçada ou de práticas excepcionais ; os diversos programas pressupõem níveis de interação intelectual e relações individuo-sociedade diferentes (LEROI-GOURHAN, 2002 : 26).

8Em suma, tal opção metodológica parece oferecer um arcabouço operacional que se mostrou interessante pelo fato de ter em seu horizonte analítico formas válidas para contornar o grande divisor entre natureza e cultura, permitindo me concentrar em suas dobras e atravessamentos dos próprios processos observados, devido às características de propagação rítmica.

9As tarefas que me propus a partir de uma perspectiva ritmo-lógica foram basicamente três : a primeira, diz respeito a análise da composição rítmica e de que maneira ela produz um nexo para a experiência, conservando o passado como forma de processar o presente e, em certa medida, tentar uma espécie de antecipação do futuro ; a segunda, está centrada em examinar o potencial afetivo das diferentes composições rítmicas, isto é, o seu poder de afetar e ser afetado, e qual o seu alcance no aumento deste potencial ; a terceira, diz respeito à transmutação do próprio nexo, a sua obsolescência e substituição ao longo do processo inventivo. Desta forma os corpos implicados nestas dinâmicas não podem ser definidos como sistemas fechados, ou que sejam definidos, determinados ou identificados por uma constituição tecno-orgânica específica, ao invés disso sua caracterização se dá por meio do equilíbrio de tendências rítmicas e o potencial afetivo que proporcionam, isto é, sublinhando o que um corpo pode ou não fazer em certas condições.

Notas etnográficas : princípio de sincronização

Anhembi Morumbi: Discotecagem básica

10Nesta tarde nublada, típica de inverno, me dirijo ao campus central da universidade Anhembi Morumbi para assistir a primeira aula da disciplina de discotecagem básica. Como havia sido instruído pelo coordenador do curso Leonardo Vergueiro, ao chegar à recepção informei que ele estava me esperando, subo até a coordenação de curso para encontrá-lo.

11Conversamos por volta de trinta minutos, e o professor Leonardo me explicou em linhas gerais os objetivos de formação do curso, falou sobre a estrutura dos laboratórios de informática onde são ministradas as aulas de produção e outras disciplinas ligadas a manipulação e síntese de áudio. Ainda me falou dos professores que eu encontraria em poucos minutos na sala de aula. São três os professores que ministram as aulas dessa disciplina : Makoto é o professor responsável pela disciplina e toda sua formulação de conteúdo e metodologia, pelo menos em termos administrativo, pois ele é o único dos três professores que possui mestrado, e por isso é o responsável institucional da disciplina. Ele é DJ de rap e black music, principalmente, a norte-americana produzida entre as décadas de 60 e 70 do século XX. Além de se apresentar sozinho em casas noturnas, ainda tem projetos paralelos com alguns Mestres de cerimônia (MCs). O DJ Magal é outro dos três professores. Com vinte e nove anos de carreira4, viu surgir e passou pelos mais variados estilos de MEP e black music. Ele foi DJ residente de um clube muito importante na divulgação e consolidação da MEP na noite paulistana, o Madame Satã, e ainda atua em diversas casas noturnas e festas de São Paulo. O outro professor é o baiano radicado em São Paulo, Ramilson Maia. Ramilson é DJ e produtor de drum and bass, mas também já foi o mentor de projetos MEP que saíram do drum and bass e do cenário clubber e foram destinados a áreas mais comerciais com intuito de atingir um público maior e menos familiarizado com a MEP. Um desses projetos foi o Kaleidoscópio, formado por ele e por Janaína Lima (bailarina, coreógrafa, acrobata e compositora), e teve seu auge entre o início e meados da década de 2000.

12As salas não são muito diferentes do que qualquer sala de aula que já tenhamos visto em instituições de ensino desde o primário até a universidade. O que as diferencia é que logo ao lado da mesa do professor, há uma bancada com aproximadamente um metro e trinta centímetros de altura por aproximadamente um metro e oitenta centímetros de comprimento, sobre ela estão dispostos os equipamentos e, logo a frente da mesa, estão dispostos dois pedestais com as caixas de som para o retorno. Logo após o professor Makoto abrir as salas, os outros dois professores chegaram, Magal e Ramilson Maia. Então entramos para as salas.

 Tecno-pedagogia de discotecagem I

 Você sabe que um é diferente do outro5 ?

-Vocês aí [alunos] já vão observando !

 Eu acho isso leve.

-Então coloca um tijolo aí em cima !6

13A primeira aula inicia de fato, após algumas conversas em pequenos grupos, com a seguinte pergunta do professor Magal : « Vocês conhecem o processo da mixagem ? ». Apenas um aluno responde afirmativamente, mas faz a seguinte ressalva : « só com CDJ. ». A pergunta e a ressalva sugerem que possa existir alguma diferença no processo de mixagem que varia conforme a plataforma usada. Mas retornaremos a este ponto na sequência do texto, agora nos detenhamos nas etapas de pré-mixagem para que possamos desdobrar as questões relativas ao conjunto tecno-orgânico que é um DJ em ação.

14Antes de abordarem as técnicas propriamente de mixagem necessárias para sincronização de dois registros sonoros, faz-se necessária uma abordagem do conjunto tecnológico que permite a execução do fluxo sonoro contínuo almejado pelos DJs de MEP ao combinarem sincronicamente seus diversos registros sonoros. Então, a disciplina inicia, de fato, pelo complexo de conexão e funcionamento dos diversos equipamentos que constituem o meio de atuação dos DJs.

15Enquanto todos estão sentados nas cadeiras da sala olhando para a bancada onde estão dispostos os equipamentos, os dois professores encarregam-se de desconectá-los uns dos outros. Pois ressalta Magal, « vamos começar do início ». E esse início diz respeito a compreender como se dá a conexão e o regime de funcionamento dos equipamentos quando estão conectados, formando um conjunto tecnológico de discotecagem. Após desligarem os equipamentos os professores pedem para que os alunos aproximem-se para que possam ver de perto qual a forma correta de conexão dos equipamentos. Durante o processo de conexão dos cabos dos toca-discos e CDJs ao mixer os professores explicam a lógica daquele tipo específico de conexão.

16Os equipamentos estavam dispostos na bancada na seguinte ordem : no centro, o mixer DJM-400 da Pioneer, aos lados esquerdo e direito do mixer, estavam os toca-discos SL-1200 MK5 da Technics, e ao lado de cada toca-discos, nas extremidades da bancada um CDJ-800 Pioneer. Então, os professores começam o processo de conexão dos equipamentos ao mixer. O primeiro passo é o de identificar todos os cabos RCAs7 dos toca-discos, dos CDJs e do amplificador que enviará o sinal sonoro do mixer para as caixas de som e os cabos de força que serão conectados às tomadas. Tudo devidamente identificado, inicia-se a conexão. Os CDJs, que estão localizados nas extremidades da bancada são conectados às entradas line dos canais um (para o CDJ da esquerda) e dois (para o CDJ da direita), os toca-discos são ligados aos mesmos canais um e dois, mas nas entradas phono. Cada canal tem estes dois tipos de entrada, a entrada line é para equipamentos com saída digital, a entrada phono para equipamentos com saída analógica. Com os cabos RCAs ligados, agora serão ligados os fios de aterramento dos toca-discos, para que a passagem de energia pelo estator8 do motor não gere sinais elétricos não desejados. A grande diferença entre essas duas modalidades de sinal e sua conexão para passagem pelo mixer é que os sinais digitais não precisam de amplificação ao entrarem no mixer, pois eles já saem dos equipamentos de CD amplificados ; enquanto que os sinais analógicos vindos dos toca-discos não recebem essa pré-amplificação, e por isso devem ser amplificados ao entrarem no mixer. Quando equipamentos digitais são conectados a entradas phono ocorre uma clipagem9. Com tudo ligado, funcionando e sem perigos eminentes, alguns perigos podem no entanto se manifestar de diferentes formas, por exemplo : caso esteja usando o sistema digital de controle de vinis ou CDs timecode (Traktor ou Serato), caso os cabos RCA estejam ligados de forma incorreta ao se colocar a agulha no disco ou dar play no CD, eles não serão executados da forma correta. Neste momento se olharmos para a tela do computador veremos que no deck do software o arquivo de áudio será executado no sentido contrário, isto é, do fim para o início. Ou caso se esteja usando CDJs ou toca-discos, qualquer conexão mal realizada pode fazer com que o sinal sonoro saía mono ao invés de estéreo, ou nem saía. Com isso, os professores aproveitam para ressaltar quão importante é essa etapa pré-discotecagem para que caso ocorra algum problema, os alunos sejam capazes de identificá-lo e resolvê-lo. O professor Magal ainda complementa alertando que já presenciou muitos DJs que não tinham nenhuma noção acerca destas questões e que chegaram a lhe perguntar antes de tocar : « Onde eu coloco o plug do fone ?’ Isso é o mínimo que ele deveria saber. Afinal ele está sendo pago para tocar ».

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Foto do setup completamente desligado para a primeira prova prática de uma turma de DJs da escola Aimec (Vinícius FERREIRA, 2013).

17No entanto, ainda existe uma etapa prévia, além da conexão dos equipamentos, que também é pré-requisito para a execução das mixagens. Esta etapa é a de identificação de cada botão disponível e sua funcionalidade no conjunto de mixagem apresentado. E é por esse caminho, de apresentação das funcionalidades, que segue a introdução às técnicas de mixagem. Todas as funções dos toca-discos, CDJs e mixer são apresentadas e acompanhadas de uma breve explicação de como funcionam e de como e quando devem ser acionadas.

18A primeira ideia a ser introduzida é uma breve noção da estrutura rítmica e métrica das músicas. Essa noção é apresentada a partir do compasso de quatro tempos, e a partir dele são apresentadas as divisões rítmicas e métricas maiores, até chegarem à divisão em que a maior parte da MEP é pensada e executada : a de trinta e dois tempos ou oito compassos de quatro tempos. Com isso explicado, alguns discos são tocados e seus tempos são contados para exemplificarem a explicação precedente. O passo seguinte é a demonstração do objetivo da mixagem e quais são as etapas necessárias para alcançá-lo.

19Após o intervalo da primeira aula, o professor Magal para em frente ao equipamento e começa a explicação de como se deve agir para realizar uma boa mixagem. A explicação inicia com ele chamando a atenção para o nível do volume do fone de ouvido e como este parâmetro é fundamental para que todo o resto seja executado sem maiores problemas, bem como o modo que ele deve ser utilizado (com um lado cobrindo um dos ouvidos ― para monitoração da música que será combina a que está tocando ―, e o outro sem o fone, para a monitoração das caixas de retorno).

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DJ Loco Dice, modo de uso do fone de ouvidos pelo DJ10 (Loco DICE, 2013).

20Em seguida vem à demonstração de como a mão deve ser colocada sobre o disco para manipulação correta e eficaz ; demonstrando que o antebraço deve ficar em uma posição quase paralela ao disco e que a mão deve ser colocada no lado oposto ao da agulha, por essa ser zona de menor tensão para movimentar o disco para frente e para trás, o que evita que agulha « pule ».

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Áreas de manipulação e funções do toca-discos11 (AIMEC, 2013).

21Por último ocorre à demonstração de como as músicas devem ser combinadas utilizando os volumes dos canais e os controles de frequências. A partir da combinação destes elementos iniciam os exercícios de beatmatching com músicas iguais, com o intuito de preparar a capacidade de percepção das diferenças entre as faixas, e preparar a resposta motora a estas percepções e assim disparar a outra faixa no momento exato, que permitirá a sincronização com a que já está tocando.

22Nos encontros subsequentes, a ênfase fica no processo de aprendizagem e treino da técnica de beatmatching, principalmente, usando os toca-discos, reservando um tempo um pouco menor para o treino com CDJs, e após este período de treino com os CDJs iniciar a apresentação das interfaces digitais (traktor e serato12) para discotecagem com timecodes. Não estão inclusas no conteúdo da disciplina a discotecagem com controladoras MIDI13. O aprendizado da discotecagem estava focado em uma perspectiva do DJ como aquele que controla registros sonoros por meio da sincronização e combinação destes registros a partir da técnica de beatmatching.

23Ao questionar um dos professores o porquê da ênfase dada ao domínio da técnica de beatmatching com toca-discos (pois os motivos poderiam ser diversos14), a resposta obtida foi a seguinte: « Porque é mais difícil ». Logo após, questionei se não seria mais efetivo ensinar a técnica na suposta tecnologia com maior facilidade de manipulação, o CDJ, para então passar para os toca-discos. Neste momento obtive uma justificativa baseada em um teste empírico realizado no semestre anterior: « Semestre passado começamos pelo CDJ. Eles até aprenderam rápido, mas quando passamos para os toca-discos perdemos muito mais tempo e acabamos não conseguindo passar o Serato ».

24Então, o que parece estar em questão ao adotar a sequência histórica de surgimento das tecnologias como guia do método pedagógico, salientando que uma tecnologia específica oferece maior dificuldade que as demais, é constituir uma habilidade de sincronização forte com as tecnologias mais difíceis inicialmente e que, consequentemente, a habilidade de sincronização dos registros entre si emergirá desse domínio da dificuldade oriunda do aparato tecnológico. Ou seja, o ritmo de sincronização com a tecnologia é fundamental para compreensão e atuação sobre o ritmo da sincronização de registros sonoros. Associando o pressuposto de sequência tecnológica que guia o método pedagógico e de que a habilidade de compreensão do ritmo de uso da tecnologia precede a compreensão prática15 do ritmo musical, tal postura aponta na direção de uma continuidade de princípios de funcionamento das diferentes tecnologias, em que o grau de dificuldade é decrescente. Assim, é assumido que a diferenciação tecnológica é pequena e que o bom acoplamento com o tipo que oferece maior dificuldade é o fator mais relevante para o acoplamento com todos os demais.

25Mas quais seriam os fatores que servem para estabelecer quais tecnologias são mais difíceis que outras ? Nas conversas e aulas dois fatores sempre eram ressaltados para explicar essa dificuldade intrínseca dos toca-discos : a) a primeira sempre se resumia a sentença « é analógico, né » ; questionando o que esta sentença queria expressar, a explicação iniciava pela exaltação das qualidades do uso de equipamentos analógicos, isto é, sua robustez, o modo de funcionamento seguro, a ênfase da organicidade do modo de uso, etc. Logo após esta exaltação vinham algumas restrições, mas que de alguma forma, acabavam soando como um tipo de elogio, não da máquina propriamente dita, mas pela necessidade de um alto nível de integração entre humano e máquina implicado nesta relação. As restrições mais citadas sempre eram, paradoxalmente : « o pitch é analógico », por exemplo. Mesmo ele sendo visto como muito preciso, o fato de ser analógico faz com que ele não responda tão rapidamente a sua manipulação e da forma como se espera que ele se comporte por causa do seu desgaste físico. Ora estes fatores normalmente eram sublinhados pelos alunos que já estavam mais familiarizados com os CDJs. Em termos tecno-pedagógicos, os alunos estavam fazendo o percurso de aprendizagem inverso ao dos seus professores. Enquanto estes faziam ressalvas ao modo de funcionamento dos CDJs, aqueles faziam ressalvas muito semelhantes em relação aos toca-discos, como era comum ouvir dos professores ao se referirem aos CDJs, « ele parece um brinquedo ». E, b) a segunda característica sublinhada para fundamentação do nível de dificuldade era a necessidade de uma sensibilidade tátil muito apurada para o manuseio do disco e do toca-discos ; pois, « a agulha pula, a mão treme, o disco atrasou mais do que eu queria », todas estas eram características ressaltadas para descrever a dificuldade de disparo, aceleração ou frenagem do disco durante a execução do beatmatching.

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Na imagem de cima (composta por dois quadros) temos os modos de uso da mão para a aceleração do disco e na imagem de baixo (composta por três quadros) temos os modos de uso da mão para frenagem do disco16 (Bill BREWSTER ; Frank BROUGHTON, 2002).

26As aulas subsequentes que acompanhei concentraram-se no beatmatching com toca-discos. Ao mesmo tempo em que os alunos conseguiam maior desenvoltura diante ao equipamento, a estrutura rítmica e métrica era explicada pelos professores e se tornava mais evidente para os alunos. Em diversas situações, os professores forneciam discos em que a música para treino das mixagens tinha um padrão inicial, principalmente, diferente do formato de 32 batidas comum na MEP. Algumas faixas tinham uma introdução de 4, 8 ou 16 batidas « falsas » antes de assumirem a estrutura de 32 batidas, e nestes casos as mixagens sempre ficavam metricamente desencontradas, pois elementos eram inseridos e subtraídos em momentos distintos de ambas as faixas. Nestes momentos, era comum os professores brincarem com os alunos por não terem identificado esse padrão métrico diferente, proferindo frases em tom de brincadeira: « as músicas nem sempre foram feitas em 32 »ou « quando eu comecei a tocar, cada música tinha seu segredo ». Logo em seguida eles paravam o som para explicar o que havia saído errado naquela mixagem e faziam a demonstração de como ela deveria ser feita corretamente em termos métricos, sempre alertando que a discotecagem não se resumia a « colocar duas músicas batendo juntas », apesar de salientarem que esta era uma parte fundamental, porém não se resumiria a isso. Desta forma os alunos tinham sua atenção educada continuamente para as diferenças rítmicas e métricas mais sutis, mas sua atenção só se refinava à medida que a sua interação com as tecnologias de discotecagem aumentava. Alguns que conseguiam se adaptar mais rapidamente ao meio tecnológico conseguiam também aumentar consideravelmente seu nível de atenção para as diferenças rítmicas e sonoras.

27O período que acompanhei as aulas da disciplina se concentrou no ensino da discotecagem com toca-discos, infelizmente não consegui acompanhar os últimos encontros do semestre em que o foco de ensino foi os CDJs. Mas durante a pesquisa de campo na escola Aimec, tive a oportunidade de presenciar um método de ensino distinto ao da Anhembi Morumbi. Neste caso, no entanto, tive a sorte de uma das experiências de campo ser diferente e complementar a outra, pois o método e o foco do ensino, apesar de apresentarem praticamente o mesmo conteúdo, com o mesmo objetivo principal, com praticamente a mesma quantidade de horas aula, foi salutar a minha incapacidade de acompanhar os desdobramentos finais da disciplina ministrada na Anhembi Morumbi.

AIMEC Porto Alegre : Curso intensivo de DJ

28Durante todo o mês de janeiro de 2013, frequentei a turma do curso intensivo de DJs da escola AIMEC. As aulas foram ministradas durante quatro semanas todas as tarde de segunda a sexta feira, das 16 às 19 horas. Neste período, foi passado para os alunos o mesmo conteúdo que é passado nos cursos extensivos, mas condensado em um mês de aulas. Apesar de terem a mesma carga horária, o tempo de maturação das habilidades é muito menor, pois a prática extraclasse acaba sendo menor e em um período condensado de tempo, o que acaba diminuindo a quantidade e a qualidade da relação com o conjunto tecnológico de discotecagem.

29Com essa condensação do tempo de aprendizagem, ocorre uma dinâmica diferente de educação da atenção (INGOLD, 2010) à ocorrida na disciplina de discotecagem da Universidade Anhembi Morumbi. Além da « contração do tempo », a metodologia de interação com as tecnologias também difere do adotado na disciplina de discotecagem supracitada. Enquanto aquela adota uma metodologia que segue a cronologia do surgimento das tecnologias como guia para a aprendizagem, na escola Aimec, a metodologia de aprendizagem segue um princípio que se centra na compreensão das unidades rítmicas e metronômicas dos registros sonoros, para em seguida se preocupar com a relação entre « usuário » e conjunto tecnológico de discotecagem.

Tecno-pedagogia de discotecagem II

30A turma é formada por três alunos, mas frequentemente esse número era maior, pois os alunos de outros horários que teriam dificuldades para assistir alguma aula em seu horário de aula vinham assistir aula com esta turma. Então, a média de alunos era de cinco ou seis alunos. Dos três alunos regulares, dois eram do interior do Estado (Caxias do Sul e Osório) e vinham diariamente para as aulas, tendo que percorrer aproximadamente 300 quilômetros todos os dias durante todo o curso para assistirem as aulas. O terceiro aluno era de Porto Alegre. Um deles, vindo da cidade de Caxias do Sul, já tinha alguma experiência inicial em discotecagem, pois organiza uma festa em sua cidade que já estava na terceira edição com publico médio de 800 pessoas ; o aluno de Porto Alegre já teve contato prévio com os equipamentos de discotecagem e tem uma breve iniciação nas técnicas de mixagem com CDJs ; já, o aluno de Osório nunca teve contato com qualquer equipamento ou técnicas de mixagem, exceto com softwares como virtual DJ e uma controladora ; mas todos, ao se apresentarem, fizeram questão de enfatizar que escutam MEP há algum tempo.

31No início da primeira aula, o professor solicitou que todos se apresentassem. A faixa etária ficou entre 21 e 24 anos de idade. Dos três alunos regulares dois já tinham alguma experiência com discotecagem, mas alegaram que tudo que aprenderam foi por meio de um processo autodidata e que gostariam de aprender mais sobre as tecnologias e técnicas de discotecagem, pois sentiam insegurança pelo fato de terem contato com diferentes equipamentos. Além dessa vontade de reduzir a insegurança frente às diferentes tecnologias que encontram nas cabines de som, todos os alunos expressaram que uma das motivações que os levou a procurar o curso era o desejo de profissionalização.

32No interior da sala temos uma mesa central em formato de um i maiúsculo (I) ; sobre ela estão dispostos os equipamentos utilizados pelos professores durante as suas explicações e treze kits para uso dos alunos. Estes kits são compostos por um mixer Pioneer DJM-400 ou Behringer VMX-200 (ambos de dois canais) e um par de CDJ-200 Pioneer. O conjunto utilizado pelos professores altera segundo o conteúdo das aulas a serem ministradas, mas na maioria das aulas, ele é composto por um mixer Pioneer DJM-800 (de quatro canais) e um par de CDJ-2000. Nas aulas de turntablism e beatmachting « analógico », os CDJs são substituídos por um par de toca-discos Technics SL1200-MK2 ; ou nas aulas em que são apresentados os softwares de discotecagem e o seu modo de funcionamento com timecodes, ou então, na aula de DJ digital quando somente o mixer permanece na bancada e os CDJs e toca-discos são substituídos pelas controladoras MIDI. Além dessa variação do conjunto de discotecagem utilizado pelos professores, ainda há mais uma diferença em relação à forma como estão dispostos os conjuntos de discotecagem dos alunos. Como todos em sala de aula dispõem de um conjunto de discotecagem próprio, o conjunto utilizado pelo professor precisa transmitir o áudio emitido por ele para os conjuntos dos alunos para realização de exercícios. Então, há um hub17que conecta o conjunto do professor aos conjuntos dos alunos.

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33Sala de aula do curso para formação de DJs da Escola Aimec Porto Alegre

34(Rafael MALHÃO, 2013).

35Na escola Aimec para DJs e produtores, a metodologia e organização do conteúdo das aulas difere da adotada na Anhembi Morumbi. Nas três primeiras aulas do curso ― segundo o que a apostila prevê ―, os alunos não utilizam os equipamentos nem tão pouco aprendem a conectá-los, estas aulas são dedicadas ao conteúdo teórico. No entanto, dependendo de quais professores ministrarem estas aulas, o contato com os equipamentos ocorrerá com o objetivo de identificar o nível de percepção rítmica dos alunos. Para tal tarefa, os professores fazem um teste bem simples (e que será repetido muitas vezes) : uma faixa é tocada e pede-se para que os alunos batam palmas no momento em que eles identificarem alguma mudança na música. Este teste além de identificar a capacidade de percepção rítmica, serve também para identificar a capacidade de percepção da estrutura das músicas, ou como denominação técnica usada em aula, permite que os alunos comecem a realizar a « análise estrutural »18. É interessante notar como este teste de percepção visa à identificação do nível de percepção do ritmo das mudanças no interior das faixas, assim como tenta gerar uma resposta ao estimulo gerado pela percepção de tais mudanças, ou seja, busca criar uma cadeia operatória de sincronização entre ritmo percebido e ritmo de resposta. Tais situações já foram indicadas por Leroi-Gourhan, como abaixo :

O sujeito atuante, animal ou homem, é inserido numa rede de movimentos, oriundos do exterior ou da sua própria máquina, cuja forma é interpretada pelos sentidos. De uma forma geral, a sua percepção interpõe-se entre determinados ritmos externos e a resposta que fornece de forma motriz (LEROI-GOURHAN, 2002 :86-87).

36As três primeiras aulas do curso da Aimec foram dedicadas a uma breve apresentação da história da MEP a partir de um referencial cultural19. Também foram apresentados os estilos fundamentais, os portais de venda de músicas e algumas plataformas e técnicas de pesquisa, assim como técnicas de organização do case,seja ele físico (para CDs ou discos de vinil), ou digital (pastas no HD de um computador ou pen drive). Foram também apresentadas as diferenças de qualidade entre os diferentes arquivos de áudio digital, isto é, os níveis das taxas de compressão destes arquivos. Somente na quarta aula que iniciaram os exercícios, propriamente ditos, de percepção rítmica.

37Começa-se explicando o que são as quadraturas20, supracitadas, e identificando a primeira batida de cada quadratura de 32 tempos como à batida tônica ; aquela em que a outra faixa deve ser disparada. Com essa estrutura básica já exposta para os alunos, uma faixa é tocada e pede-se para que todos batam palmas quando tocar a batida tônica, o teste citado acima para identificação da percepção rítmica. Entretanto, diferentemente do teste de percepção rítmica nesta fase do aprendizado, este exercício é repetido à exaustão até que todos consigam identificar a batida tônica e bater as palmas no momento exato. É muito comum que a cada vinte e seis quadraturas21, apenas em dez delas todos os alunos consigam bater as palmas no exato momento da batida tônica.

38O passo seguinte é o de conseguir disparar uma faixa na batida tônica. Os professores deixam uma faixa tocando ― os alunos têm essa mesma faixa em seus CDJs, ela está no mesmo tempo em que a dos professores está tocando ―, e os alunos devem disparar a faixa do seu CDJ na batida tônica a fim de sincronizá-las. Para que os alunos consigam realizar a tarefa com sucesso, os professores indicam alguns movimentos corporais que possam servir de marcadores para a percepção e contagem dos tempos. Estes movimentos podem ser o de bater o pé no chão, de pressionar o botão de cue22, mexer a cabeça ou dançar ; todas essas estratégias corporais são indicadas para que a faixa possa ser disparada no momento certo. Assim, a percepção auditiva para o disparo da faixa no momento certo parece exceder a captação da vibração do ar pelo ouvido, e se constituir com o auxílio de diferentes partes do corpo implicadas em movimentos ritmados, pois como nos disse Ingold « ouvimos com todo o corpo » (2000 :274).

39Esta é uma das etapas iniciais, prossigamos para as etapas seguintes. Até este momento não iniciaram os exercícios de beatmatching e o uso do jog wheel para sincronização de faixas diferentes. O que se estava buscando até então era a precisão de disparo com duas faixas iguais. Esse tipo de exercício serve para criar a conexão entre a percepção auditiva e o movimento manual. Ora toda esta etapa de criação da conexão entre a mão e o ouvido foi realizada com CDJs, e por isso o movimento manual de disparo das faixas era o de pressionar o botão. Este não é sensível as variações de pressão do toque, ele simplesmente dispara ou não dispara a música, situação completamente diferente no caso dos toca-discos ou CDJs com jog wheel usado no modo vinyl, em que estas variações do tipo de toque são sentidas e fazem muita diferença para a execução da mixagem. Quando ocorre a passagem para o uso dos toca-discos, além de o movimento mudar ― deixa de ser o de pressionar um botão para segurar o disco e movimentá-lo para trás e para frente, de forma que se possa escutar a primeira batida da faixa passando pela agulha a cada movimento ―, é necessário que se tenha sensibilidade suficiente para adiantar e retardar o andamento do disco. Este processo deve se dar sem que o movimento de rotação dos toca-discos se altere de forma brusca, pois caso isso aconteça às faixas sairão de sincronia em termos de tempo e ou de métrica. Pode acontecer de uma estar na batida 12 e a outra na batida 10 ou 13, por exemplo, caso estes movimentos não sejam executados com a sensibilidade necessária. Neste caso não adiantará a sincronização do tempo, ou seja, que ambas estejam na mesma velocidade, pois em termos de estrutura elas continuarão dessincronizadas. Assim, ao mudar a tecnologia, a cadeia operatória de percepção e disparo foi alterada, pois a força motriz (tecnologia), o gesto e a materialidade foram alterados.

40Neste sentido, a noção de ciclo operatório perde sua capacidade explicativa, pois pode dar conta de situações e ações técnicas específicas. Quando nos deparamos com uma situação como a descrita aqui, em que o objetivo almejado se mantém e os meios variam, devemos recorrer à noção de comportamento operatório, também proposta por Leroi-Gourhan (1971). O comportamento operatório é a expressão completa da integração das cadeias operatórias, que podem ser maquinais, periódicas ou excepcionais. No caso estudado aqui, o comportamento operatório se faz relevante, pois integra esses diferentes modos de cadeias operatórias por meio da memória, que alinha os fenômenos biológicos de forma que sejam percepções claras para ação. E este alinhamento se dá pela aprendizagem por imitação que leva a intensificação da vida social que se manifesta na associação dos níveis biológicos, materiais e psíquicos.

41Ao acompanhar as aulas do curso da Aimec, pude perceber tal alteração e como ela foi problemática para a realização de uma tarefa que os alunos já estavam realizando com grande êxito. Todo treinamento inicial se deu da seguinte forma : primeiro, com a percepção corporal das diferenças rítmicas e estruturais das músicas ; e, segundo, com o uso de uma tecnologia (CDJ) que tem um modo de funcionamento específico, ao qual os alunos aprenderam a se acoplar. Este trajeto de aprendizado se deu ao longo das doze primeiras aulas, o que dá aproximadamente trinta e seis horas aula. Os toca-discos foram apresentados na décima terceira aula e retomados na décima quinta para a aula de turntablism23, o que somam, no máximo, seis horas aula.

42O objetivo dessa décima terceira aula era a sincronização de registros sonoros diferentes utilizando os toca-discos, na seguinte dinâmica : a primeira parte foi dedicada à apresentação e explicação das funções dos toca-discos ; logo em seguida o professor passou um vídeo do DJ Marky24 no qual ele ensina como fazer uma mixagem ; em seguida foi exibido um trecho de outro vídeo do DJ Marky – um DJ set transmitido ao vivo desde Londres, da redação da revista inglesa especializada em MEP, Mixmag. Após a transmissão ao vivo os vídeos são disponibilizados integralmente na internet. Este programa via web, Mixmag DJ Lab25, realizado pela revista, é transmitido semanalmente. Além destes dois vídeos ainda foi indicada uma entrevista dada pelo DJ Marky para o Dance Paradise26. Após esta introdução ao modo de uso do equipamento, o professor fez uma breve demonstração de como mixar usando toca-discos e em seguida de como seria o primeiro exercício a ser realizado. Consistia em como manipular o disco : 1) quando necessário retroceder o disco sempre colocar a mão no selo do disco e girá-lo no sentido contrário ao que o prato está girando ; 2) localizar e marcar a primeira batida para o disparo ; 3) para manipulação prévia ao disparo do disco (movimentos contínuos para frente e para trás) a mão deve estar no lado oposto ao da agulha. Com a demonstração e os objetivos do exercício devidamente apresentados, iniciou-se o exercício propriamente dito. Os primeiros movimentos foram realizados apenas para localizar a primeira batida e dispará-la na primeira batida de uma quadratura do outro disco que estava tocando. Mas para que essa parte fosse executada pelos alunos, o professor precisou fazer mais uma demonstração de como se procede para achar a primeira batida, como realizar o movimento de vai-e-vem com o disco sem exceder na força aplicada com a mão de forma a evitar que a agulha pule, e em seguida disparar o disco no momento exato. Inicialmente, todos apresentaram um nível bastante alto de dificuldade na manipulação do disco, os movimentos eram desajeitados e sem precisão alguma. Apenas um dos alunos conseguiu disparar a faixa de maneira correta logo na primeira tentativa, mas nas tentativas seguintes também apresentou um pouco de dificuldade, isso até conseguir perceber a melhor forma de se ajustar ao equipamento. Todos fizeram questão de comentar, enfaticamente, a dificuldade em manipular os discos.

43A dificuldade mais evidente neste momento de readaptação técnica e tecnológica era a necessidade de divisão da atenção. Essa dificuldade havia se manifestado no início do curso quando esse mesmo exercício foi realizado utilizando CDJs, mas a dificuldade de interação foi menor que a que ocorreu com os toca-discos. O processo de educação da atenção (INGOLD, 2010), ou seja, a coordenação entre a percepção auditiva do momento exato de disparo do registro sonoro e a ação da mão neste momento, tomou uma parte significativa da aula. Pois tal coordenação desarticulou, por meio de um aparato tecnológico diferente, este comportamento operatório que já havia sido estabilizado com outra tecnologia. O corpo não se adequava ao equipamento e precisava de um nível de concentração mais significativo.

44A segunda parte da aula foi dedicada exclusivamente ao treino de beatmatching usando os toca-discos. Para tal, o professor demonstrou duas técnicas diferentes ; uma em que se utiliza a mão que não está no pitch adj para acelerar ou frenar o disco (Fig. 4), e simultaneamente a estes movimentos no disco também são aplicadas as correções necessárias utilizando o pitch adj. A outra técnica não utiliza a manipulação direta do disco com a mão, e dá ênfase no ajuste a partir de uma forma dinâmica e constante de manipulação do pitch adj. Esta segunda técnica foi a que o professor pediu que os alunos usassem, de preferência, advertindo que só colocassem a mão no disco quando fosse extremamente necessário. No entanto, esta forma de manipulação solicitada pelo professor não foi plenamente assimilada, em termos práticos, pelos alunos. As primeiras tentativas de mixagem utilizando somente o pitch adj para sincronização dos registros sonoros foram desastrosamente frustradas. Os movimentos eram desajeitados e sem precisão alguma. As mãos deles não pareciam estar « calibradas » para tal tarefa. Outro fator, além da sensibilidade manual, que dificultou a execução da tarefa foi à ausência de uma referência visual codificada de forma clara para os alunos, isto é, os sulcos do disco que oferecem uma noção da métrica da música não ajudavam os alunos. Mesmo não sendo uma referência que auxilie diretamente na sincronização, esta informação da métrica pode ser útil para a orientação de quanto tempo de ação ainda se dispõe. Até mesmo o aluno com a percepção mais apurada, isto é, que tem o ouvido bem treinado, apresentou alguma dificuldade no início. No entanto, no final da aula quando já estava mais ambientado com os equipamentos conseguiu realizar algumas mixagens. Um fator que foi comentado durante toda a aula e nas aulas seguintes foi a diferença de resposta do pitch adj analógico do toca-discos em relação ao tempo digital do CDJ. Essa comparação rendeu muitos comentários no final da aula sobre a forma com a qual cada um interagiu com esta diferença. Mas o comentário mais recorrente fazia referência à necessidade de uma maior integração com a máquina e com a música, pois para que ocorresse a sincronização entre as músicas era necessária a manipulação constante da máquina com vistas ao ajuste dos possíveis pequenos desajustes.

45A técnica de sincronização das músicas (beatmatching) não foi alterada em seus princípios, no entanto, a tecnologia aplicada a esta técnica foi alterada e com isso o domínio da técnica também foi alterado incialmente. Quando a tecnologia mudou, mudaram também a materialidade, o movimento de reprodução do registro sonoro, o tipo de movimento para disparo do registro sonoro, ou seja, todo o complexo de acoplamento para realização do beatmatching foi alterado.

No caso do homem, os mesmos fenômenos de ritmicidade exteriorizada manifestam-se em circunstâncias em que a criação de um quadro factício concorre para libertação do ciclo operatório normal, ou quando esse mesmo quadro se lhe substitui a fim de integrar a máquina corporal num processo de assimilação intelectual. [...] É evidente que estas manifestações rítmicas raramente se limitam apenas ao jogo muscular, participando antes do conjunto em que a audição desempenha, na maior parte dos casos, um papel importante, como quando o monge budista salmodia os seus cânticos martelando ritmicamente um dado timbre (LEROI-GOURHAN, 2002: 92).

46A ênfase destas descrições da pesquisa de campo guiadas pela noção de ritmo servem para explicitar os processos de organização do meio de atuação com o intuito de auto-organização das pessoas ao longo do processo de formação, com vistas a se tornarem sensíveis as diferenças que lhes são necessárias para que atuem de forma efetiva. Ou seja, o que foi descrito até agora foram situações de campo em que tentei evidenciar a interconexão dos « fenômenos de ritmicidade exteriorizada » ― no caso dos DJs de MEP que visam sincronizar peças rítmicas entre si para proporcionar a continuidade da dança ― para que a percepção se reoriente por meio do comportamento operatório. No caso específico do campo de pesquisa em que me encontro, dois ritmos precisam ser sincronizados para que um terceiro também possa ser sincronizado. O primeiro é o ritmo tecnológico; o segundo, o corporal (percepção auditiva e ação motora); e o terceiro, o ritmo musical. Para que este último, o qual realiza o objetivo vislumbrado pelo DJ, funcione, é necessário que ocorra uma compreensão e integração eficaz dos dois primeiros, pois, sem isso, não estão disponíveis as condições de possibilidades mínimas.

47O ritmo como perspectiva metodológica auxilia na compreensão de diversos níveis, pois como Lefebvre sublinhava, o ritmo dá conta da interação entre o espaço, o tempo e o gasto energético e, acrescentando o olhar de Leroi-Gourhan a esta metodologia, percebemos que a compreensão da interação entre espaço, tempo e gasto energético necessita de uma compreensão da materialidade do aparato tecnológico, o qual é o mediador dessas interações. A questão central neste sentido é a tentativa de articulação do processo associativo mediado tecnicamente, que põe em conexão desde entidades de caráter psico-fisiológicas, como a percepção auditiva, até entidades de caráter coletivo, como a resposta da pista de dança. Ou seja, como este processo conecta ações supra-individuais as ações infra-sociais, ou como nos diz Viana Vargas sobre as preocupações sociológicas de Gabriel Tarde.

[...] o que conta não são os indivíduos, mas as relações infinitesimais de repetição, oposição e adaptação que se desenvolvem entre ou nos indivíduos, ou melhor, num plano onde não faz sentido algum distinguir o social e o individual. (VARGAS, 1995, 2000 Apud TARDE, 2007:10).

48Para conseguir chegar a este nível em que as distinções não fazem sentido é necessário manter-se atento aos processos técnicos que promovem a inclusão de diferentes modos de existência que compõem o social em uma perspectiva associativa.

Considerações finais

49A partir das situações etnográficas que apresentei, acredito que pode se dizer que toda relação inclui uma diferença. Porque há diferença entre as topologias dos equipamentos, os modos de ação e percepção que cada uma dessas topologias solicita são distintas entre si. Então, dos muitos estímulos existentes enquanto se está discotecando escolhemos alguns específicos e são estes que convertemos em informação relevante para ação. Pois são estes estímulos que nos possibilitam realizar de forma eficaz aquilo que nos propomos, assim como introduz algo aqueles que a nossa ação se destina, pois estes respondem a ela. Como diz Gregory Bateson (1972 :321) o que caracteriza a unidade elementar da informação, que dá sentido a processos de seleção de estímulos específicos e eficazes em diferentes contextos é a « diferença que faz uma diferença »27. E estas diferenças demarcam linhas classificatórias que utilizamos nos processos de seleção da relevância de cada estimulo com quais entramos em contato, e estas delimitações são móveis e estabelecem os limites do corpo e da mente segundo o tipo de fenômeno que visamos realizar.

Suponha que eu sou um homem cego, e eu uso um bastão. Eu vou tap, tap, tap. Por onde eu começo ? É o meu sistema mental limitado ao cabo do bastão ? É delimitado pela minha pele ? Será que ele começa no meio do bastão ? Será que ele começa na ponta do bastão ? Mas estas são perguntas sem sentido. O bastão é um caminho continuo cujas transformações da diferença estão sendo transmitidas. O caminho para delinear o sistema é traçar a linha limitante de tal maneira que não se corte nenhum destes caminhos em maneiras que deixam as coisas inexplicáveis. Se o que você está tentando explicar é uma dada parte do comportamento, como a locomoção do homem cego, então, para esse propósito, você precisará da rua, do bastão, do homem ; [...] e assim por diante [...]28.(BATESON, 1972 :325)

50Se tudo que vim tratando até este momento está em consonância com a constituição das habilidades, do corpo e da mente necessárias para as tarefas de discotecagem e para qualquer outro tipo de tarefa com quais possamos nos deparar no cotidiano, acredito que possa se dizer que os processos de aprendizado e atuação hábil em contextos específicos são a expressão de diversos níveis de caráter supra-individuais e infra-sociais (TARDE, 2007) e, em sua grande maioria, não são passíveis de serem comunicados por mensagens codificadas em termos linguísticos. Pois como diz a bailarina Isadora Duncan, segundo Bateson, « Se pudesse explicar a você do que se trata, não teria sentido dançá-lo29 » (BATESON, 1972 :114).

Bibliographie   

BACHELARD, Gaston, The Dialectic of Duration, Manchester: Clinamen Press Ltd., 2000.

BATESON, Gregory, Steps to an Ecology of Mind. San Franciso: Chandler Pub. Co., 1972.

BREWSTER, Bill; BROUGHTON, Frank, How to DJ Right: The Art and Science of Playing Records, New York: Grove Press, 2002.

FERREIRA, Pedro Peixoto, Música eletrônica e xamanismo: Técnicas contemporâneas do êxtase, Campinas: PPGCS/UNICAMP, 2006.

GOODMAN, Steve, Sonic Warfare: Sound, Affect, and the Ecology of Fear, Cambridge: The MIT Press, 2009.

INGOLD, Tim, « Da transmissão de representações à educação da atenção », in I, vol. 33, Núm. 1, Porto Alegre: EDIPUCRS, jan/abr, 2010, pp. 6-25.

______________. The perception of the environment: Essays on livelihood, dwelling and skill, London: Routledge, 2000.

LEFEBVRE, Henri, Rhythmanalysis: Space, Time and Everyday Life, Londres: Continuum, 2004.

LEROI-GOURHAN, André, Evolução e Técnicas 1 - O Homem e a matéria, Lisboa: Edições 70, 1971.

________________. O Gesto e a Palavra 2 – Memória e Ritmos, Lisboa: Edições 70, 2002.

MAUSS, Marcel, Sociologia e Antropologia, São Paulo: Cosac Naify, 2003.

SANTOS, Lúcio Pinheiro dos, La Rythmanalyse, Societe de psychologic et de philosophic, Rio de Janeiro : 1931.

TARDE, Gabriel, Monadologia e Sociologia - e outros ensaios,São Paulo : Cosac Naify, 2007.

Vídeografia

Curso para DJs DJ Ricardo Guedes 1º Parte :

http://www.youtube.com/watch?v=2CZ-apCWuxg

Dance Paradise entrevista DJ Marky :

http://www.youtube.com/watch?v=dePFwNrbqaM

DJ Marky dá uma aula de mixagem Todo Mundo é DJ Vírgula : http://www.youtube.com/watch?v=kDulgQGcfKo&feature=related&fb_source=message

DJ Marky d’n’b set in The Lab

http://www.youtube.com/watch?v=QxtknqOnhRY

Notes   

1  Música eletrônica de pista.

2 « a) Temporal elements that are thoroughly marked, accentuated, hence contrasting, even opposed like strong and weak time. b) An overall movement that takes with it all these elements (for example, the movement of a waltz, be it fast or slow). »

3 « Everywhere where there is interaction between a place, a time and an expenditure of energy, there is rhythm ». Todas as traduções são de responsabilidade do autor.

4  Informação dada pelo próprio durante uma conversa de corredor no intervalo de uma das aulas.

5  Nesta fala um dos professores está se referindo a diferença de peso entre os braços dos dois toca-discos usados em sala de aula. Neste momento os professores estavam regulando o peso que o braço do toca-discos deveria exercer sobre a agulha.

6  Trecho da conversa entre os professores no início da primeira aula da disciplina.

7  São um modelo de conectores utilizados em equipamentos eletrônicos, sua nomenclatura é oriunda da empresa norte americana Radio Corporation of America. Pois foi Radio Corporation of America que introduziu o tipo de conector no mercado em meados dos anos 1940. Estes conectores foram idealizados com o intuito de minimizar a interferência em sinais de pequena amplitude.

8  É um gerador elétrico― muito semelhante a uma bobina― em que a parte fixa de sua estrutura conduz energia elétrica ; a circulação desta energia elétrica em sua estrutura composta de fios de cobre produz um campo magnético que produz o movimento de rotação do prato do toca-discos.

9 Rubrica da eletrônica com origem no inglês clipping, também chamado de ceifamento. Tal efeito é a saturação de um sinal por excesso de ganho da amplificação. Por exemplo, um sinal senoidal tem suas pontas ceifadas na amplificação e o sinal resultante se aproxima de uma onda quadrada. O efeito mais comum que surge com essa saturação por excesso de sinais é a distorção do sinal final resultante da combinação dos sinais distintos.

10  Imagem retirada da página oficial do artista no facebook. Loco Dice, 2013.

11  A imagem do toca-discos foi retirada da apostila do curso de DJs da escola Aimec. A apostila é entregue aos alunos no primeiro dia de aula. Mais informações sobre a escola estão disponíveis em : http://www.aimec.com.br/.

12  Softwares que em conjunto com hardwares (placas de som) e timecodes possibilitam manipular os arquivos digitais de áudio contidos nos hard disks da mesma forma como se manipulam CDs ou discos de vinil.

13 Do inglês, Musical Instrument Digital Interface. Essa é a denominação de um protocolo de comunicação que assegura a interação entre diversos instrumentos eletrônicos.

14  Iniciar a disciplina pelo uso dos toca-discos seria óbvio se fosse assumida uma postura guiada pela ordem de surgimento das tecnologias utilizadas para discotecagem. No entanto, esse não é o único ponto de partida possível. Como veremos em seguida no caso da escola Aimec, o ponto de partida está focado no aprimoramento da percepção rítmica, independente da tecnologia, mas também veremos quais as consequências desta opção.

15  Pois, como vimos no início desta parte, as noções de ritmo e estrutura rítmica foram apresentadas no início da disciplina. É claro que a compreensão prática do ritmo dos registros sonoros se dá simultaneamente ao da tecnologia e, mesmo sendo esse o objetivo principal, parece que inicialmente ele é uma forma de acesso a um estágio anterior a ele.

16  Imagem retirada de BREWSTER, Bill; BROUGHTON, Frank. How to DJ Right: The Art and Science of Playing Records, New York: Grove Press, 2002.No vídeo 01 da vídeografia, « Curso para DJs DJ Ricardo Guedes 1º Parte », é possível ver demonstrações dessas técnicas.

17 Hub ou concentrador é o processo pelo qual se transmite ou difunde determinada informação, em que a principal característica é que a mesma informação esteja sendo enviada para muitos receptores ao mesmo tempo.

18  No início do curso, essa noção de estrutura e de tempos só é introduzida brevemente com o intuito de permitir a realização dos exercícios de beatmatch. Pois a aula nove é dedicada à explicação completa da ideia de análise estrutural e sua função para a execução das mixagens.

19  Para uma boa compreensão dos diferentes referenciais discursivos usados para narrar a história da MEP ver a tese de doutorado de Pedro Peixoto Ferreira, intitulada, Música eletrônica e xamanismo :Técnicas contemporâneas do êxtase, 2006.

20  Também chamada de « barra », « frase » ou « peça », a quadratura é a denominação usada para cada conjunto de 32 batidas, isto é, 8 compassos de 4 batidas.

21  Músicas por volta de 128 BPMs (batidas por minuto) e 6 minutos de duração, cada quadratura têm aproximadamente 15 segundos de duração. O que em 6 minutos dá um total de aproximadamente 26 quadraturas.

22  Botão do CDJ que marca o ponto inicial do registro sonoro.

23  Termo criado na década de 1990 pelo DJ norte americano Babu para diferenciar os DJs que produzem sons com toca-discos e discos de vinil daqueles que reproduzem os discos. Essa técnica é muito utilizada pelos DJs de hip hop e entre os que participam de campeonatos de performance.

24  Vídeo 03 da videografia.

25 Vídeo 04 da videografia.

26 Vídeo 02 da videografia.

27 a difference which makes a difference.

28 Suppose I am a blind man, and I use a stick. I go tap, tap, tap. Where do I start? Is my mental system bounded at the handle of the stick? Is it bounded by my skin? Does it start halfway up the stick? Does it start at the tip of the stick? But these are nonsense questions. The stick is a pathway along which transforms of difference are being transmitted. The way to delineate the system is to draw the limiting line in such a way that you do not cut any of these pathways in ways which leave things inexplicable. If what you are trying to explain is a given piece of behavior, such as the locomotion of the blind man, then, for this purpose, you will need the street, the stick, the man; […] and so on […].

29 « If I could tell you what it meant, there would be no point in dancing it ».

Citation   

Rafael MALHÃO, «Ritmo, gesto e materialidade : notas etnográficas sobre papel da tecnologia na formação de DJs de MEP», Cultures-Kairós [En ligne], paru dans Métamorphoses digitales : Expérimentations esthétiques et construction du sensible dans l’interaction humain-machine, mis à  jour le : 21/07/2014, URL : https://revues.mshparisnord.fr:443/cultureskairos/index.php?id=885.

Auteur   

Quelques mots à propos de :  Rafael MALHÃO

Rafael MALHÃO est doctorant en Sociologie à l’Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, São Paulo, Brésil) où il développe des recherches sur la relation entre le design et les modes d’usage des objets dans la vie quotidienne, au sein du groupe de Recherche du CTeMe (Conhecimento, Tecnologia e Mercado – Connaissance, Technologie et Marché, Unicamp).