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Dinâmica do folclore e reconhecimento social. A capoeira angola baiana nos estudos de Edison Carneiro e nas fotografias de Marcel Gautherot

Lygia SEGALA
décembre 2012

DOI : https://dx.doi.org/10.56698/cultureskairos.542

Résumés   

Résumé

S’inscrivant dans une perspective historique et anthropologique, le présent article prétend revisiter les recherches réalisées par Edison Carneiro sur la capoeira angola de Bahia. Les références sociales de l’auteur, ses lectures, les exercices descriptifs qu’il produisit, les valorisations sélectives qu’il opéra et les recommandations qu’il promulgua pour la « protection et la restauration » du folguedo, retiendront particulièrement notre attention. Nous explorerons aussi quelques-uns des liens qui les articulent à la production et à la circulation de photographies et d’images réalisées par le français Marcel Gautherot (1910-1996). Transparaitront ainsi des affinités politiques, scientifiques et méthodologiques. À travers les textes et les images, le jeu de la capoeira apparaitra comme une fête populaire emblématique (folguedo), expression de lutte, de résistance, invention et art des classes laborieuses. E. Carneiro et M. Gautherot partageaient le même souci pour préservation matérielle et symbolique de la « tradition » et de « l’authenticité » des manifestations folkloriques face à l’imminence de leur disparition dans le contexte modernisant de l’après-guerre.

Abstract

The article will discuss, from a historical and anthropological perspective, beginning with the years 1930-1940, ethnographic studies carried out by the folklorist Edison Carneiro (1912-1972) on Capoeira Angola in Bahia, Brazil, its references and its descriptive exercises, its selective valuations, and its prescriptions to « protect and restore » the folguedo, related to the production and the circulation of photographic series and image synthesis by the French photographer Marcel Gautherot (1910-1996). Their similarity of interests includes their political affinities in the understanding of the expression and dynamics of folklore, and their relationship with popular culture, with « the people », either as theme, direct observation, and committed registration, or as shared experience. The capoeira game appears in the texts and in the images as an emblematic folguedo, an expression of struggle, resistance, invention, and art of the working classes. They are concerned with the « tradition » and the « authenticity » of the folkloric manifestations, with capoeira’s material and symbolic preservation in view of the eminence of its disappearance in the post-war modernizing context.

Resumo

O artigo pretende, por uma perspectiva histórica e antropológica, discutir, a partir dos anos 1930-1940, estudos etnográficos realizados pelo folclorista Edison Carneiro (1912-1972), sobre a Capoeira Angola na Bahia, Brasil, suas referências e seus exercícios descritivos, suas valorações seletivas e suas prescrições para « proteção e restauração » do folguedo, relacionadas à produção e à circulação de séries fotográficas e de imagens de síntese do francês Marcel Gautherot (1910-1996). Nessa implicação de interesses ressaltam-se suas afinidades políticas na compreensão da expressão e da dinâmica do folclore, suas relações com a cultura popular, com « o povo », seja como tema, observação direta e registro comprometido, seja como experiência compartilhada. O jogo da capoeira, aparece nos textos e nas imagens como folguedo emblemático, expressão de luta, resistência, invenção e arte das classes trabalhadoras. Preocupam-se com a « tradição » e a « autenticidade » das manifestações folclóricas, com a sua preservação material e simbólica diante da eminência do seu desaparecimento no contexto modernizante do pós-guerra.

Index   

Index de mots-clés : Capoeira, folklore, patrimoine culturel, Edison Carneiro, Marcel Gautherot.
Index by keyword : Capoeira, folklore, cultural heritage, Edison Carneiro, Marcel Gautherot.
Índice de palavras-chaves : capoeira, folclore, patrimônio cultural, Edison Carneiro, Marcel Gautherot.

Texte intégral   

1No processo para registro da capoeira como patrimônio cultural imaterial do Brasil, em 2008, as pesquisas do Inventário1 distinguem os estudos etnográficos do folclorista Edison Carneiro (1912-1972) pela definição de uma « nova tradição » do jogo, na Bahia2, a partir dos anos 1930-403. Dos arquivos policiais, da capangagem política e das páginas noticiosas de malfeitos na rua, a capoeira, criminalizada até 19374, passa a ser entendida e valorizada, nos discursos e produções autorizadas do folclore, da literatura e das artes, como fenômeno cultural afro-brasileiro, expressão estética « de origem banta », relacionada através dos seus praticantes com o candomblé, o samba e o batuque.

2Esse artigo pretende discutir, por uma perspectiva histórica e antropológica, pesquisas realizadas por Edison Carneiro sobre a Capoeira de Angola baiana, suas referências e seus exercícios descritivos, suas valorações seletivas e suas prescrições para « proteção e restauração » do folguedo relacionadas à produção e à circulação de séries fotográficas e de imagens de síntese do francês Marcel Gautherot (1910-1996).

A dinâmica do folclore

3No debate dos folcloristas, nos anos 1940-60, os folguedos (danças, desfiles, autos e jogos), conservados pela tradição oral e realizados como empreendimento coletivo, eram então privilegiados para a observação e a identificação dos processos de formação da « cultura brasileira » (Miceli, 2001). Distinguiam-se como objeto de estudo, considerados expressões « verdadeiramente espontâneas », « do trabalho e do ludus nacional », espaço experimental para a construção do interesse solidário, do « espírito associativo ». Representavam para o movimento folclórico que então se articulava, seu « próprio objeto em ação »5.

4Edison Carneiro, com trabalhos já publicados no âmbito das religiões e do « folclore negro da Bahia », entendia o folclore6 como fenômeno social, historicamente pautado. « O objeto do folclore nada tem de morto, parado ou imutável » (Carneiro, 2008 [1a edição 1950], p. 12). Afirma, em oposição à nostalgia folclórica de tratadistas e colecionadores, a dinâmica das manifestações populares em permanente « recomposição dialética » no « pormenor cultural próprio à região » (2008 [1a edição 1950], p. 21, 13). Apoiado em trabalhos de Iuri Sokolov e Ruth Benedict7, Carneiro defende, nesses processos, as motivações sociais do folclore, as implicações entre arte e política, « a riqueza de imaginação, a força criadora e a sede de justiça do povo » (2008 [1a edição 1950], p. 7). As tensões entre reprodução e invenção, inerentes à transmissão cultural, são marcadas, no seu entender, por pressões e « corrupções de cima » que atravessam as relações de « vivificação mútua » entre as « formas eruditas e as formas populares folclóricas » (2008, [1a edição 1950], p. 3, 13). Nas suas articulações institucionais, Carneiro foi um dos principais formuladores do II Congresso Afro-brasileiro em Salvador e da União das Seitas Afro Brasileiras (1937). À frente da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro empenhou-se na definição de políticas públicas para reconhecimento das expressões populares tradicionais na afirmação da identidade nacional. Carneiro argumenta que o « folclore se nutre dos desejos de bem-estar econômico, social e político do povo e, por isso mesmo, constitui uma reivindicação social embora rudimentar » (2008, [1a edição 1950], p. 3, 13). Toma como evidencia e « prova » (id., ibid., p. 7)os folguedos populares.

5É através desse folclorista que o fotógrafo francês Marcel Gautherot liga-se ao movimento. Suas fotografias são por vezes adquiridas por Edison Carneiro para estudos, publicações ou exposições folclóricas. Este autor, nas suas recomendações para a pesquisa do folclore8, insiste sobre a importância desses « registros mecânicos » na construção etnográfica, na medida em que « constituem um documento vivo da observação. [...] A fotografia ilustrativa de aspectos do folclore deve ter sempre caráter dinâmico – um movimento, uma ação e não uma pose » (2008 [1a edição1950], p. 141). Essas eram, aliás, as recomendações sobre a fotografia etnográfica no Musée de l’Homme em Paris, seguindo a orientação metodológica de Marcel Mauss9. Nesta instituição Gautherot, com formação de arquiteto decorador, trabalha no processo de reorganização das exposição (1937/38), sob a direção de Paul Rivet. Inicia seus experimentos com revelação fotográfica no laboratório do novo museu, junto com Pierre Verger10. As prescrições etnográficas quanto ao uso de imagens dialogam, naqueles anos, de um lado com o estilo documentário apoiado no movimento fotográfico alemão da Nova Objetividade. Afirma-se nesta tendência uma fotografia direta, nítida, sem artifícios distinguindo-se dos efeitos de estranhamento, dos ângulos e aproximações inusitadas, das fotomontagens, propostos pela Nova Visão e a fotografia surrealista (Lugon, 2001). De outro, com a linguagem cinematográfica que estimula no fotojornalismo nascente e nas pesquisas com imagem fixa as sequências narrativas das séries11 fotográficas. Gautherot constrói sua « arquitetura fotográfica »12 marcada por essa observação instruída, por esses experimentos estéticos do entre guerras.

6Em 1939, estimulado pela leitura do livro Jubiabá de Jorge Amado13, visita o Brasil. Com a guerra porém, interrompe suas primeiras incursões documentárias na Amazônia14. Define, então, sua atividade como exercício de « fotojornalismo científico »15, pela atenção que dá aos detalhes e ao contexto da vida social, às instruções da pesquisa etnográfica. Depois do primeiro armistício, em 1940, viaja para o Rio de Janeiro, convivendo com Verger e Carybé16, de passagem pela cidade. Liga-se então à rede de intelectuais modernistas envolvidos no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)17 e com apoio desta instituição realiza várias séries fotográficas no país, alargadas nos compromissos de documentação da construção de Brasília, junto à Oscar Niemeyer18 e com o movimento folclórico (Segala, 2007, p. 232-251).

7Dessa trama de relações recorto, neste texto, um seguimento de redes, que, na Bahia ou da Bahia construiu e divulgou o lugar como expressão forte da « alma brasileira ». Estreitam laços por citações recíprocas, por afinidades diversas no trabalho, na crença e na política, Edison Carneiro, o escritor Jorge Amado, o compositor Dorival Caymmi, Carybé, Marcel Gautherot e Pierre Verger19, principalmente. Gautherot retrata esses artistas e intelectuais que trabalham na capital baiana. Todos eles tem com a cultura popular, com « o povo », uma relação animada, como tema, como experiência cotidiana20. Carneiro explica que « foi em grande parte por causa desses negros [bantos] que a Cidade da Bahia ganhou fama de líder entre as cidades pitorescas do Brasil, centro obrigatório de todos os estudos sobre o problema do negro brasileiro, tornando-se a "Roma africana" de quem sempre me fala a mãe-de-santo nagô Eugênia Ana dos Santos (Aninha) do Centro Cruz Santa do Aché de Opô Afonjá » (Carneiro, 1981 [1a. ed. 1937], pp. 129-130).

8Na cidade de Salvador, Gautherot produz diversas séries fotográficas sobre paisagem e arquitetura colonial, sobre os mercados e as festas populares, sobre a puxada do Xaréu, o candomblé, o jogo da capoeira21. Já nos escritos de Jorge Amado, apreciado pelo fotografo, o jogo da capoeira aparece como expressão de luta, resistência, invenção e arte das classes trabalhadoras. Carneiro segue essa reverência : « este jogo, herança do negro de Angola, sofreu modificações que o nacionalizaram, de maneira a transformá-lo na arma com que o negro liberto, de fato ou de direito, no Rio de Janeiro, na Bahia e no Recife, defendeu a sua precária liberdade e garantiu a sua sobrevivência »22.

O trabalho de Edison Carneiro sobre a Capoeira de Angola

9Foi com a publicação de Negros Bantos : notas de etnografia religiosa e de folclore, em 193723, que Edison Carneiro apresenta uma primeira descrição, em livro, da Capoeira de Angola, já mostrada na imprensa de Salvador24, resultado de seu trabalho de campo, de sua observação direta. Elege e consagra a Capoeira de Angola como paradigma à análise por lhe parecer » « a mais pura » separando-a da Capoeira Especial de Mestre Bimba, a « luta regional baiana », que « aproveita golpe de outras lutas desde a luta romana até o boxe e o jiu-jitsu », sucesso de bilheteria no Parque Odeon da cidade (Carneiro, 1981[1a. ed. 1937], p. 219).

10A pureza, a origem e a continuidade no tempo do folguedo de angola, certificadoras de « tradição » e de « autenticidade », são conferidas, nos seus argumentos, pela experiência que tinha nas ruas e nas folganças, pela qualidade de seu trabalho de campo e de suas fontes, das informações coletadas junto a capoeiras velhos, mais próximos das lembranças d’África. Mais do que restituir a história do jogo, calça suas notas em uma genealogia de autoridades.

11Com poucas fontes de pesquisa « sobre o mundo desconhecido do negro banto », - cita, no livro, os trabalhos de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, já notórios nos estudos afro-brasileiros25. Além desses autores, Carneiro anuncia em nota introdutória do livro, a colaboração dos capoeiras Samuel « Querido de Deus » – « o maior capoeirista da Bahia afirmam-me os negros »26, personagem de Jorge Amado em Bahia de todos os Santos -, Barbosa e Zeppelin. Vicente Salles27, folclorista, assenta que apesar do seu « rigor científico, às vezes mal compreendido », Carneiro « se colocou mais do lado dos portadores de folclore, que a ele se apresentavam sempre desinibidos e solícitos, que ao lado dos teoristas ». Esse compromisso nas duas pontas, afunilando pertencimentos a linhagens de conhecimentos diferentes, acadêmica e popular, expressa-se nas primeiras páginas do livro : a homenagem ao Professor Martiniano do Bonfim, pai de santo e babalaô do Engenho Velho, seu mestre de nagô e amigo, informante de Nina Rodrigues, e a dedicatória, em seguida, a Arthur Ramos, João Cordeiro28 e Guilherme Dias Gomes29.

12Para Carneiro, a capoeira de Angola, na Bahia, « mais próxima de suas origens » (Carneiro, 1981[1a. ed. 1937], p. 219) é « brinquedo », « divertimento velho », vadiação. Distingue-a das antigas maltas do Rio de Janeiro, com lutas à navalha, arruaças, desafios entre as freguesias, nos oitocentos. Dessa capoeiragem e desses « tipos de rua », já comentava Mello de Moraes Filho30 : em « grupos de vinte a cem (..) à frente dos batalhões, dos préstitos carnavalescos, nos dias de festas nacionais, etc, fazem desordem, esbordoão, ferem... » . Carneiro cita Manuel Querino, em A Bahia de outrora, quando evoca, por outro viés, o capoeira baiano do passado, com « argolinha de oiro na orelha » e « chapéu de banda » , tipo « desconfiado e sempre prevenido »31. Ainda que estudo recentes mostrem registros da capoeiragem baiana, desde o século XIX, nos arquivos policiais, Carneiro sugere um outro modo de apropriação e de apreciação da capoeira : « Os capoeiras da Bahia não são homens sem profissão, mas estivadores, carregadores, pescadores, que, nas horas vagas, e jamais em dias úteis, se reúnem para vadiar » (2008 [1a ed. 1950], p. 53).

13Das suas pesquisas instiga uma cartografia desse folguedo, no mais das vezes ligado ao calendário de « festas tradicionais gerais, locais, típicas ou do orogo »32. Apresenta, de forma sucinta, várias « espécies de capoeira » - o que mais tarde corrige para « estilos de capoeira », « reconhecíveis pelo ritmo e pela canção » (1982 [1a. ed. 1974], p. 118). Sem detalhes, descreve a roda, a orquestra de berimbaus, chocalhos e pandeiros, a « entrada dos lutadores » , a agilidade dos golpes. Destaca cantos e toques, avivando da sua experiência de menino, lembranças do que ouvira em rodas na Conceição da Praia. A « autenticidade » do folguedo é instruída pelo valor de presença (Heinich, 2012, p. 26). Completa esse inventário afetivo com cantos novos, por vezes cantos de trabalho resignificados no jogo da rua. Neles indica misturas de expressões tipicamente portuguesas e africanas, recriações, recomposições na precisão de « mudar de nome para dar no verso », nas deturpações, no sincretismo, no « aproveitamento das quadras populares »33. Retoma em outro trabalho, publicado em 1975, no primeiro número dos Cadernos de folclore, editado pela Campanha, alguns desses pontos, ampliando informações sobre a história do jogo, seu lugar na literatura como « forma nacional de luta »34. Cita capoeiras lendários que inspiraram chulas, poemas e crônicas fantásticas, mitos heroicos como o de Mangangá, Besouro de Ouro, tema de cordel e de teatro popular. Dos golpes, apresenta desta vez, uma listagem comentada, talvez por conta das lições já publicadas por alguns Mestres, das codificação crescente dos movimentos nas « academias ». Nesses espaços formalizados de aprendizagem, Carneiro distingue a linhagem de Angola do Mestre Pastinha que « na sua sala de exibições no Pelourinho continua a tradição dos grandes "discip’os de Mangangá" ». Além do « velho Pastinha », inclui os « locais certos » de Waldemar da Liberdade, de Traíra e Canjiquinha como capoeira folclórica popular35.

14No Caderno de Folclore36, aparecem seis fotos de Marcel Gautherot feitas na região do porto e na praia37. Têm, com o apoio do texto, uma função de comprovação da tradição e da arte, deslocando simbolicamente o brinquedo à luta nacional38. É Mestre Pastinha, porém, que, através do seu livreto ilustrado (Mestre Pastinha, 1964), com fotos de verificação39, ajuda a explorar a série de imagens feitas por Gautherot. Referência no estudo de Carneiro40, publica em 1964 seu livreto com capa de Carybé e apresentação, na orelha, de Jorge Amado. Já com renome internacional, Amado o distingue como « Mestre da capoeira de Angola e da cordialidade baiana, ser de alta civilização (…). Em sua Escola do Pelourinho, Mestre Pastinha constroe cultura brasileira da mais real e da melhor »41. As homenagens e as assinaturas de Amado e Carybé realçam e qualificam o texto e as apreciações do capoeirista42. Carneiro no entanto, faz uma resenha pouco entusiasmada na Revista Brasileira de Folclore43. Critica a autoria induzida do trabalho :

« Pastinha mostrava aos amigos desenhos (na verdade silhuetas) de vários golpes de capoeira e declarava estar preparando um livro44. O folheto não traz os desenhos. E o velho capoeira foi induzido (quem sabe por quem?) a escrever um livro não na sua linguagem ao mesmo tempo pitoresca e pertinente mas com um luxo de vírgulas e de palavras difíceis que nada acrescenta à sua fama. Em vez de desenhos há fotografias – e estas por sinal não são boas fotografias » (1966, p. 226).

15Na « Bibliografia Crítica » de Vicente Salles, publicada na Revista, pode-se ler : « uma obra precária – faltam as melhores experiências pessoais do grande capoeirista » (Salles, 1969, p. 97).Reclamam os autores dos critérios nessa domesticação de autoria onde o texto instruído, ao mesmo tempo em que divulga e promove o jogo, não dá lugar para as diferenças45.

16No livreto, Mestre Pastinha distingue a Capoeira Angola « jogada » pra valer –« luta e luta violenta », saindo dos limites esportivos daquela de « demonstrações » onde ela é « ginga maliciosa » (Mestre Pastinha, 1964, p. 10), jogo e brinquedo. É sobre esta « demonstração amistosa »46 que desenvolve seus comentários, demanda seu reconhecimento. Adverte sobre os limites descritivos da fotografia na documentação da capoeira. No livreto, ressalta que elas « mostram uma das faces principais de cada golpe, para ser perfeita descrição seriam necessárias numerosas fotografias para demonstrarem toda a dinâmica de sua aplicação » (Mestre Pastinha, 1964, p. 7).

A Capoeira de Angola nas séries fotográficas de Marcel Gautherot

17A série temática Jogo da Capoeira de Gautherot reúne 287 imagens do folguedo, realizadas em Salvador, Bahia47. Não há datas precisas nas pranchas de contatos do acervo. A descontinuidade na numeração dos fotogramas indica que foram feitas em tempos diferentes. Em ordem seguida, estão classificadas as subséries do cais do porto e das praias (244 imagens). Depois de um intervalo nos números, abre-se, seguindo o tema, outra subsérie no cais (43 imagens). Pelo que se observa, Gautherot negociava com os Mestres e organizava essas « demonstrações ». Avesso à pose, ao enquadramento e às montagens sensacionalistas, interessa-se pela « descrição que emociona »48. Como nessa perspectiva provoca a imagem, como produz enquadramentos acordados ou precipita a cena pelo « poder imantador da câmera » ? A pose ou o movimento situado - marcado por espaços específicos - são naturalizados como não interferência na medida em que como « realidade vivida » e negociada, ganham potência descritiva e explicam visualmente o objeto em foco. A fidelidade ou a produção da semelhança parece exigir, no mais das vezes, a cena induzida para que detalhes ou sequências do acontecimento tenham sentido49, para a transcrição do real, como objetividade construída junto àqueles que se exibem para a câmera. Os fotografados para não olharem para a objetiva quebrando o movimento, as relações em situação, tampouco arguem, pelo gesto ou pelo semblante, a invisibilidade intencionada do fotografo50. Os que posam, de fato, parecem também se escolher, eles próprios, para a câmera. A ideia de exaustividade, recomendada nos manuais etnográficos, instiga o refazer de imagens idealmente complementares nas séries para contornar de certa forma as fraturas da narrativa ou do exercício descritivo. A evolução dos quadros que se distingue da evolução do jogo guarda, como nos golpes, uma distância intuitivamente calculada.

18Seguindo as convicções de Carneiro, Gautherot foca seu trabalho na Capoeira de Angola, privilegiando no seu ensaio, o brinquedo de Mestre Waldemar da Liberdade (1916-1990), cujo barracão na Liberdade51, periferia de Salvador, era então frequentado por artistas e intelectuais nacionais e estrangeiros interessados no « autêntico folclore da Bahia ».

19A primeira subsérie do jogo da capoeira, no acervo de Marcel Gautherot (BACE 01564-01678), foi realizada a beira mar, no Cais do Porto de Salvador, para os lados da Feira de Água dos Meninos. Os tambores de combustível com marcas estrangeiras que aparecem no risco do cais, ao longe, já eram no praguejar de Vasconcelos Maia, o « diacho do progresso », com « os pés nos fundos da feira ». Apresentando os desenhos de Carybé sobre o lugar, Maia recorta do presente, uma memória boa da Bahia (Vasconcelos Maia, 1955). Gautherot, ao contrário, explora intencionalmente na série, cá e lá, esses contrastes entre a técnica moderna dos tanques, das hélices e do navio mercante e a vadiação, os pés nus, as pedras do cais, os velhos saveiros. Traz o tempo como medida estética e como referência de transformação social para as continuidades e descontinuidades do folguedo. Ao refletir sobre a dinâmica do folclore, Edison Carneiro já chama a atenção, como se viu para os mecanismos « aquisitivos, desintegrativos e de recomposição e recombinação » que atravessam a organização e o sentido dos folguedos (Carneiro, 2008 [1a ed. 1950], p. 14). Essas fricções e mudanças aparecem nas sequências de imagens, em detalhes do lugar, dos capoeiras, dos instrumentos. A escolha do Cais do Porto como espaço da « demonstração » liga-se às memórias locais, à história contada do jogo, antes ali aprendido de outiva. Eraonde se reuniam « os mais famosos capoeiras », onde o couro comia assanhando trapicheiros, trabalhadores braçais, pescadores, gente da estiva. Era o espaço emblemático do trabalho, da burla e do mistério, no Jubiabá de Jorge Amado.

20Do jogo, Gautherot apresenta, de início, como faz Mestre Pastinha em seu livreto, o « conjunto musical ou rítmico » ou a orquestra nos termos de Carneiro. Revela os três tocadores de berimbau (BACE01564–01568) instrumento indispensável na vadiação. A harmonia formal do quadro não se quebra a favor dos homens, das suas singularidades expressivas. Entre essas imagens, faz ajustes na profundidade de campo, explorando relações de verticalidade entre as linhas das varas dos instrumentos52 e a dos mastros e cordas dos barcos com velas arriadas, ao fundo. Em uma dessas imagens (BACE01567), os tocadores abaixam paralelamente os berimbaus, em um correr de arcos, deixando ver o oco das cabaças pintadas, artes novas do mestre Waldemar. Nessa encenação, esteticamente controlada53, é possível perceber ainda, com mais detalhe, a vareta de madeira para as batidas, o caxixi54. Como modo de aproximação, isola na sequência, cada músico em um portrait. Feitos a meia distância, possibilitam ver um instante do movimento das mãos, a atenção do rosto, as vestimentas de algodão folgadas, com peito aberto, mangas arregaçadas ou uma mais formal – a do Mestre Waldemar – com calça escura, camisa e cinto com fivela de metal, anel e relógio. Os berimbaus trazem marcas diferencias, pelo desenhos pintados nas cabaças, pelos enfeites e nomes escritos nas varas : campo, rei do campe....( ?), cacique, flor das águas. Sinais de homenagem ou do dono.

21Um dos tocadores de berimbau é fotografado em contre-plongée, mais acentuado crescendo no fundo liso do céu (BACE01573). Destaca-se assim do lugar, das referências situacionais no exercício documentário, como uma figura de síntese, um personagem icônico55. Apesar de não ser o Mestre nem tocar o berimbau maior, o mais grave que dita o ritmo e chama os capoeiras, Gautherot faz dele seis fotos, experimentando na construção do « tipo », efeitos de distinção.

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[fig.1]Bahia, Capoeira, Marcel Gautherot/ Acervo Instituto Moreira Salles (010BACE015730).

22A sublinhar que, entre os tocadores de berimbau, é apenas ele que possui a pele negra. A insistência no modelo e no enquadramento parecem querer afirmar, por artifício imagético, a origem e a ancestralidade africana da vadiação, cultivada nos sensos da « sobrevivência » e da autenticidade da de Angola, nos termos de Edison Carneiro.

23As fotos imediatas acompanham os movimentos do jogo com a câmera baixa seguindo as pernas, trazendo a imagem para o chão. As pedras do cais, o mar e os barcos ao fundo guardam o ambiente, produzindo um outro tempo, (010BACE01581-01583) ares de antigas crônicas da cidade. O fotógrafo procura montar a sequência a partir de uma imagem forte de referência, a mesma que mestre Pastinha usa para iniciar sua descrição ilustrada e que Carybé (Carybé, 1955) abre sua coleção de desenhos: a dos tocadores de berimbau com os capoeiras agachado à frente, enquanto um solista canta a chula de fundamento [hoje ladainha], preparação para a « saída inicial ». Os primeiros que jogam são um negro com calça de algodão clara e um outro de calça e cinto, camiseta sem mangas, furada - roupa de briga, dizia-se na época. Não usam sapatos.

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[fig.2]Bahia, Capoeira, Marcel Gautherot/ Acervo Instituto Moreira Salles (010BACE01588-01599).

24Fixa-se, na intenção fotográfica, a « tradição popular » da capoeira de rua, em oposição ao uniforme e às regras das « academias »56. As fotos feitas pelo francês, que depois circularam na imprensa, em exposições, em textos acadêmicos, procuram assim flagrar uma outra legitimidade, sentida como mais próxima da origem, da memória de bambas e valentões. Pela montagem sequêncial de Gautherot, as evoluções e os maneios começam com o « jogo de baixo », rasteiro, passando ao « jogo em pé » que, como lembra Mestre Pastinha, « oferece mais movimentação » (1964, p. 48.) Sombras alongadas no chão, pela lateralidade da luz à esquerda, parecem desequilibrar a imagem fixa dos corpos anunciando o movimento. Exploradas na composição do fotografo, lembram as manchas de tinta nos escuros dos corpos de Carybé.

25Pela necessidade técnica da encenação fotográfica, deslocamentos, distâncias, luz, não há roda. O fundo constante traz toda a atenção para os golpes e a ginga. Gautherot tenta objetivar essas aproximações, esquivas e negaças, explorar seus efeitos estéticos, mais do que inventariar didaticamente os golpes, como faz Pastinha. Abeira-se dos jogadores, flagrando dos corpos formas fluidas, adivinhadas de dissimulações e dos golpes ligeiros, rompendo a previsualização do enquadramento. Corta a cabeça dos músicos (010BACE01602). Retorna ao quadro anterior (BACE01604) e de novo chega perto, tirando de cena o « conjunto rítmico » (BACE01616). Ginga com a câmera. Tenta dos golpes, por vezes, construir uma simetria, dividindo a dinâmica do quadro por um mastro de barco (BACE01622), separando na mesma medida o fundo, entre os saveiros e os tocadores de berimbau, centralizando os movimentos, destacando-os dos barcos, abaixando a cena (BACE01630). Por vezes, apenas pelas sombras no chão - presença alusiva a quem passa ou assiste, invisível no quadro, sugere um recorte de roda (BACE01643)57.

26A mudança de lado da sombra, evidencia uma passagem de tempo, uma descontinuidade no jogo ou no exercício fotográfico. Fotografa agora do alto trazendo para o foco os corpos e o chão, flexionando a ação, mudando o ponto de vista. Na « vorta », mudanças de pares, entra para jogar com o negro sem camisa, um homem pequeno de calça branca, impecável, com suspensórios, camiseta de listas. A quem diga ser o Mestre Pastinha. É esse mesmo personagem que estabelece uma emenda sutil no jogo de imagens (BACE01678-01679), sendo fotografado em uma nova subsérie, agora na praia. As linhas da areia, do mar e do céu, limpam e horizontalizam o fundo dando mais nitidez aos volteios.

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[fig.3]Bahia, Capoeira, Marcel Gautherot/ Acervo Instituto Moreira Salles (010BACE01708-01719).

27A permanência desse mesmo fundo, na sequência, induz a uma percepção de continuidade nos movimentos quando, de fato, Gautherot aguarda os melhores instantes, por vezes perdidos, no inesperado do jogo. Talvez tenha sugerido algumas paradas com fim demonstrativo ou repetição de golpes para acertar a tomada.

28Para além da centralidade das pernas, das paradas de braço nos movimentos – rabo de arraia, aú, rasteira, meia lua, chapa de frente, conta o olharnas dimensões experimental e processual do jogo, como imagem. Mestre Pastinha chama a atenção para o « olho vivo », « golpe de vista » e « noção de distância »58 na tensão medida entre força e controle, como modo de « experimentação da guarda do outro », nos termos de Carneiro (1977 [1a. edição 1975], p. 5). Em uma das imagens (BACE01597) é clara essa ação diversa onde o corpo vai em uma direção e o olho, de olho na rasteira, anuncia o golpe seguinte.

29A partir da imagem BACE01723, o jogo se desloca na praia para junto dos coqueiros de Itapoã. As nuvens no céu, as pistas nas beiradas do quadro sobre a orquestra sinalizam o inicio de outra subsérie. Os coqueiros tropicalizam o lugar e distraem o olhar dos corpos que jogam. Perdem esses, por vezes, a nitidez de contorno, o senso de evoluções, confundindo-se com formas outras da paisagem. O lugar e os participantes, entre eles mestre Waldemar, são os mesmos filmados pela antropóloga Simone Dreyfus, em 1955, em Salvador59. É possível que Gautherot tenha acompanhado as gravações e aproveitado para capturar essa « teatralização da memória etnográfica » (Ciarcia, 2009).

30Na última subsérie (BACE14248-14290), o trabalho fotográfico se faz novamente no porto, distinguindo agora, pela câmera baixa, a quilha agigantada do navio mercante Atalaia60, que no início dos anos 1940, fazia a rota Brasil - África.

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[fig.4]Bahia, Capoeira, Marcel Gautherot/ Acervo Instituto Moreira Salles (010BACE14252).

31A força simbólica dessa referência acentua na cena uma aura mítica sobre a procedência da capoeira e sobre o senso da sua continuidade na marca técnica dos tempos modernos. Nessa trama de significados, de interconexões objetivadas e mediatas entre eventos passados e presentes, é a insistência nos contrastes que sugere o movimento. Abrem-se circularidades entre o capoeira negro, com dorso nu e calças brancas e o outro com camisa branca diante da mancha escura do cargueiro e as partes mais claras do céu e das pedras do chão. Da linha do mar e do navio, o fotógrafo desloca o foco trazendo o jogo para um quadro incomum, diante de uma peça cilíndrica, evidência da nova realidade industrial, largada no cais.

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[fig.5]Bahia, Capoeira, Marcel Gautherot/ Acervo Instituto Moreira Salles (010BACE14272-14283).

32Não escolhe apenas um outro ponto de vista sobre o lugar. Explora nessas aproximações, arranjos estéticos, tão a gosto dos movimento fotográficos europeus do entre guerras. Surpreende quem observa, desmonta clichés. A orquestra é percebida através de sua sombra estirada na areia, insinuando, mais uma vez, uma roda que por um fio formal rebate o cilindro da hélice (BACE14271). Nas últimas imagens dessa sequência, Gautherot retrata mestre Waldemar da Liberdade61 diante da peça que, agora vista de frente, se arredonda, revelando seu interior. Nesse enquadramento, monta-se pela pintura, encaixes e vazios, um losango claro com rodela escura no centro. Lembra, em forma de roda, a bandeira nacional. Diante desse mesmo fundo fotografa os outros tocadores de berimbau. Na imagem final, Gautherot abre uma meia lua na roda metálica do fundo deixando ver à direita e ao longe, as casas pobres do porto. No limiar desses tempos, simbolicamente construídos pela fotografia, um homem velho, negro, com chapéu de palha, olhos baixos, toca pandeiro.

33Nessas ambiguidades da imagem, as correspondências formais e temporais parecem evocar, nos termos de Edison Carneiro, a « recomposição folclórica », a dialética de transmissão do jogo.

A documentação como preservação simbólica

34Esse processo de invenção e inventário da capoeira como patrimônio nacional e « folclore negro do Brasil », apresentado aqui no entrecruzamento de produções e apreciações autorizadas deixa entrever do folguedo, paradoxalmente, no entender de Carneiro e de Gautherot, o risco do seu desaparecimento. « O folclore clássico vai desaparecendo, tinha de documentar isso ! », afirma o fotógrafo62. Carneiro já deplora, em seu texto de 1937, « o adiantado processo de decomposição e de simbiose da capoeira » (1981 [1a. ed. 1937], p-p. 219-220). Mais tarde, em 195463, em um contexto de acelerada urbanização, industrialização e migrações internas no país, defende também uma « intromissão erudita », uma « atenção discreta », no sentido de « proteger os folguedos existentes e restaurar os desaparecidos ou decadentes ». Crítico à tutela e aos clientelismos, sugere apoio para apresentação dos folguedos, organização dos grupos em associações civis garantidoras de sua unidade, fixação e responsabilidade e documentação científica como « uma forma de preservação do folguedos e uma cautela sobre o futuro » (2008, p. 100, 109).

35As relações entre intelectuais e artistas baianos, já indicadas, e suas redes interessadas na cultura popular, os modos como os mestres de Angola se apropriaram desses múltiplos apoios, desses investimentos de capital simbólico, garantiram processualmente à Capoeira de Angola patrocínio e valor de patrimônio. Por uma « eficácia sincrética » (Ciarcia, 2009, p. 10), os trabalhos de Carneiro e Gautherot, nas suas imbricações e acordos, em torno da dinâmica do folclore e de sua dimensão política ; da produção de autenticidade e da antecedência da Capoeira de Angola, da urgência na proteção aos folguedos, confundem-se com o próprio objeto folclórico. O fotografo comparava seu trabalho ao do conhecido ceramista popular brasileiro, mestre Vitalino, que do barro criava cenas marcantes da vida cotidiana e das festas. Tais peças, reconhecidas por folcloristas e colecionadores passaram a fazer parte da própria realidade descrita nos objetos, sendo incluídas no repertório figurativo do folclore (Segala, 2007, p. 233). Do mesmo modo, várias fotografias de Gautherot, « memórias portáteis » (Tornatore, 2006, p. 6-7), por vezes, as mesmas, foram repetidas vezes publicadas ou expostas em espaços públicos nacionais e internacionais, estabilizando a fabricação visual da Capoeira de Angola, produzindo do jogo seus emblemas, suas referências de indumentária, de golpes, de ginga e de história64.

[fig.6]Bahia, Capoeira, Marcel Gautherot/ Acervo Instituto Moreira Salles (010BACE01665).

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Notes   

1  Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil. Ministério da Cultura/ Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (versão preliminar), 2006. A versão final ainda não está aberta à consulta pública.

2  Idem, pp. 37- 43. Salvador no estado da Bahia, Recife no estado de Pernambuco, ambos no nordeste do Brasil e Rio de Janeiro são considerados os locais históricos mais importantes da capoeira, foram portos de chegada de significativo contingente de africanos escravizados no país. Idem, pp. 7-8.

3  Agradece a colaboração de Cristina Zappa, Augusto Argolo, Alzira Costa, Marina Alves, Marcelo Coqueiro e especialmente ao Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro, que cedeu gentilmente as fotografias que acompanham este artigo.

4  A criminalização das práticas de capoeiragem, deu-se em 1890. « O primeiro Código Penal da República – sublinha Carneiro – tomou conhecimento da capoeiragem, aplicando-lhe pena de prisão e desterro ». CARNEIRO, 2008 [1a ed. 1950], p. 52

5  VILHENA, 1997, p. 173. O movimento folclórico formalizou-se, no bojo de políticas nacionalistas populistas, com a criação da Comissão Nacional de Folclore em fins de 1947. Seu diretor, Renato Almeida, folclorista e musicólogo, funcionário do Ministério das Relações Exteriores, conseguiu reunir estudiosos de todo o país, centralizando redes de Comissões nos estados e municípios. Vinculado ao debate internacional capitaneado pela UNESCO, definiu um programa centrado na pesquisa mais qualificada e na proteção do folclore. Na década de 1950, o movimento chega ao seu paroxismo, desdobrando-se, como ação comum e urgente, na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (1958), ligada ao Ministério da Educação e Cultura. Sob a direção entusiasmada de Edison Carneiro (1961-1964), impulsionaram-se, nos limites das curtas verbas governamentais, os espaços de documentação. Criou-se a Revista Brasileira de Folclore, patrocinaram-se cursos em alguns estabelecimentos de ensino superior e iniciou-se a composição de documentários fonográficos e fotográficos.

6  Carneiro entende folclore como « um corpo orgânico de modos de sentir, pensar e agir peculiares às camadas populares das sociedades civilizadas ». CARNEIRO, 2008 (1a edição 1950), p. 3.

7  Para o folclorista russo Iuri Sokolov (?-1941), o folclore é « uma criação das massas populares, a expressão das aspirações e das esperanças do povo », « eco do passado e ao mesmo tempo a voz poderosa do presente ». SOKOLOV, 1945, pp. 70, 13. A destacar nos trabalhos da antropóloga americana Ruth Benedict (1887-1948), as discussões sobre padrões culturais e cultura nacional. BENEDICT, 1934; 1946.

8  CARNEIRO, « Pesquisa de Folclore » (1955), 2008 [1a edição1950], pp. 129-154, 141.

9  Recomendava-se a frontalidade, a simplicidade, o detalhe significativo e as séries lógicas que reunissem todas as características afins de um mesmo objeto », evitando-se nesse « método de observação material », a pose. Cf. MAUSS, 1947, chap. 2.

10  Ver a propósito SEGALA, 2007, pp. 96 -102. É com a mediação do Musée de L’Homme, que realiza, em 1937, viagem fotográfica ao México. SEGALA, idem pp. 103–117. Sobre o trabalho de Pierre Verger como etnólogo e fotógrafo ver SOUTY, 2007.

11  « A noção de série é assimilada a uma soma de instantâneos, a uma multiplicidade de pontos de vista e de momentos para reconstituir um contexto e uma duração ». Idem, p. 248.

12  Na entrevista que me concedeu, no Rio de Janeiro, em 07/12/1989, Gautherot é categórico : « Uma pessoa que não entende de arquitetura não é capaz de fazer uma boa foto ».

13  Em entrevista que me concedeu, já citada, Gautherot conta que « a fotografia surgiu antes de tudo do meu desejo de viajar. Nessa época, eu já era apaixonado pela Amazônia e tinha grande vontade de conhecer o Brasil. Depois que li Jubiabá, fiz uma ideia maravilhosa da Bahia ». A tradução francesa de Jubiabá foi lançada em Paris, pela Editora Gallimard, em 1937. A primeira edição brasileira, pela Editora José Olympio, é de 1935.

14  A propósito ver a « Introdução » de Lélia Coelho Frota, no álbum Bahia, Rio São Francisco, Recôncavo e Salvador : fotografias de Marcel Gautherot, 1995, pp. 10-11.

15  Cf. Jornal A Folha, Belém, 21 de junho de 1939.

16  Em entrevista a Lélia Coelho Frota (ver nota 18) Carybé conta sobre sua relação com Gautherot e Verger, no início dos anos 1940, no Rio de Janeiro, sobre sua roda de amigos. Carybé (1911-1997), na época jornalista, celebrizou-se mais tarde como pintor, ceramista e gravador revelando o Brasil através de seus quadros na Bahia onde passou a morar em 1950.

17  Sobre as tensões entre esses intelectuais modernistas e as regulações institucionais no âmbito do processo de centralização autoritária do governo Vargas, nos anos 1930 - 40, ver FONSECA, 2005.

18  Sobre esse trabalho ver NOBRE, 2001, pp. 13 - 24 ; ANGOTTI-SALGUEIRO, 2007, pp. 266-289.

19  Cf. GAUTHEROT, 1995 ; VERGER, 1980 ; CARYBÉ, 1955 ; 1968.

20  Acompanhando Amado e Carneiro, comunistas, Gautherot, simpatiza com o « partido proletário », compartilha suas ideias, seus entusiasmos. Nas suas fotografias, busca articular « dialeticamente » essa dimensão mais celebrativa e poética, à documentação da « dinâmica » dessas criações populares. SEGALA, 2001, pp 26-57.

21  Esses temas são também exaustivamente explorados nas imagens de Pierre Verger e nas tintas de Carybé, por vezes ilustrando textos de Jorge Amado ou composições musicais de Dorival Caymmi. Ver, entre outros Carybé, Verger e Caymmi : Mar da Bahia, 2009.

22  CARNEIRO, « Capoeira ». Módulo. Revista de arquitetura e artes plásticas, n. 4, ano 2. Rio de Janeiro, mar. 1956, p. 29. Cabe indicar que, no entender de Carneiro a Capoeira do Recife já estava « desaparecida em consequência de vigorosa reação policial », desde a primeira década do século XX, e « se transfigurou no passo », na dança do frevo. ( Grifo LS). CARNEIRO, 1977 [1a. ed. 1975], p. 7.

23  Essa primeira edição do livro, pela editora do Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, fazia parte da Biblioteca de Divulgação Científica, coleção então dirigida por Arthur Ramos.

24  CARNEIRO, « Capoeira de Angola ». Jornal O Estado da Bahia, Salvador,09de junho de 1936.

25  A considerar especialmente Os Africanos no Brasil de Nina Rodrigues, escrito entre 1890-1905 e publicado em 1932 e O Negro Brasileiro : etnografia religiosa e psicanálise publicado em 1934 (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira) e O Folclore negro do Brasil : demopsicologia e psicanálise (Rio de Janeiro, Casa do Estudante do Brasil) em 1935, de Artur Ramos. Olívia Gomes da Cunha, no estudo que faz sobre a troca de correspondência entre Carneiro e Ramos sublinha que « entre os dois, Edison parece encarnar voluntariamente a figura de um cordial e aplicado coletor de informações e Ramos, um nada inocente e provável editor de seus escritos ». CUNHA, 2004, p. 63. E, pouco afeito, no entender de Carneiro, à pesquisa de campo. CARNEIRO, 1964.

26  CARNEIRO, 1981 [1937 1a ed.], p. 219. A notar que, Mestre Querido de Deus dirigiu a exibição de Capoeira de Angola no II Congresso Afro-brasileiro na Bahia, articulado como já se indicou, por Carneiro.

27  Cf. « Apresentação ». In: CARNEIRO, 1982. A primeira edição veio a público, em 1974, depois da morte de Edison Carneiro (1972).

28  Romancista baiano, participou, em Salvador, com Carneiro e Jorge Amado do movimento literário conhecido como Academia dos Rebeldes (1927-1931). Ver a respeito NASCIMENTO, 2010: 32-33.

29  Guilherme Dias Gomes realizou com Edison Carneiro um vocabulário nagô-português a partir de levantamentos feitos junto ao mestre Martiniano do Bonfim.

30  MELLO MORAES FILHO, 1895, p. 403. Sobre « luta violenta », Carneiro, baseado em QUERINO, 1955, menciona brevemente os capoeiras valentes da Bahia, no tempo do Império, mandados à Guerra contra o Paraguai (1864 -1870). CARNEIRO, 1981 [1a. ed. 1937], pp. 211-212.

31  QUERINO, 1955 [1a. ed. 1916], 75, 73. O livro, dessa 4a edição é ilustrado com desenhos de Carybé.

32  CARNEIRO,1982 [1a. edição 1974], pp. 15-16. O autor enfatiza que « as festas tradicionais são a moldura necessária e própria à existência dos folguedos populares. E, sem estes, será impossível recuperar, em toda a sua riqueza, o folclore brasileiro ». Idem, p. 16.

33  CARNEIRO, 1981 [1937 1a. ed.], pp. 216-217.

34  A sublinhar que tentativas de reconhecimento da capoeira como « ginástica nacional » foram feitas, ainda que de forma isolada, já início do século XX, principalmente através dos argumentos nacionalistas do escritor Coelho Neto que a « celebrava como a verdadeira educação física do Brasil ». Apud. Inventário... 2006, p. 17.

35  Sobre a invenção e a estabilização da categoria Capoeira de Angola ver VASSALO, 2003, pp. 106-124.

36  Os textos do Cadernos de folclore n.1 foram também publicados no livro Folguedos tradicionais, já citado.

37  São também de Gautherot as fotos que ilustram o texto de Edison Carneiro, Capoeira, publicado em 1956, na festejada Revista Módulo de Arquitetura e Artes Plásticas, n.4. Esta tinha como um dos diretores o arquiteto Oscar Niemeyer. O texto é resumido abrindo espaço para as fotografias, algumas em página inteira. Aparecem entre os trabalhos de Oswaldo Goeldi e Maria Martins, artistas reconhecidos de vanguarda na época, também publicados nesse número.

38  Cabe lembrar que no almoço oferecido ao Presidente da República Getúlio Vargas, à ocasião do 1o. Congresso Nacional de Folclore, em 1951, entre as « demonstrações folclóricas » exibidas estão « capoeiristas baianos em demonstrações ritmadas da Capoeira de Angola ». Jornal A Noite, Rio de Janeiro, 27de agosto de 1951 ; Hemeroteca da Biblioteca Amadeu Amaral, Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.

39  O livreto traz 17 fotografias comentadas sobre o jogo, os instrumentos musicais e os golpes. A baixa qualidade das imagens revela, nas áreas difusas, pernas e braços, figuras fundamentais dos movimentos instigando o leitor a adivinhar detalhes do resto do corpo e da dinâmica do jogo. Chamam sempre a atenção, nessa arte da “Academia”, os pés com meias e sapatos em contraponto aos pés nus nas vadiações de rua.

40  A frisar que, em 1966, com Edison Carneiro, Mestre Pastinha e outros capoeiristas de Angola participam do I Festival Mundial de Artes Negras, em Dakar, Senegal. Tal distinção atualiza e consagra as idéias de Carneiro sobre a pureza, a origem e a tradição da Capoeira de Angola no âmbito das manifestações populares afro-brasileiras. A Revista Brasileira de Folclore (n. 15 (1), mai-ago 1966), noticia a publicação de The African Contribution to Brazil, pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, para apresentação no evento. Nela, Carneiro escreve um ensaio sobre religião. As fotografias do livro são de Marcel Gautherot.

41  Na economia interna do livro, essa reverencia textual se afirma no jogo de reconhecimentos recíprocos expresso em fotografia (p. 13) assentido pela legenda : « Mestre Pastinha abraçado ao seu grande amigo e admirador Jorge Amado, o escritor que é uma glória para as letras nacionais ».

42  Outra foto de homenagem de Wilson Lins - romancista, Secretário de Educação e Cultura da Bahia 1959-62 - e a dedicatória ao Dr. José Benito Colmenero - médico espanhol, professor de acordeom e capoeirista - que faz a apresentação do livro, oficializam de certo modo o jogo atestando-o como expressão turística da Bahia. Nessas imagens introdutórias há ainda uma « vista do prédio onde funciona a Academia » (p 19), vizinha à Igreja N. Sra. do Rosário dos Pretos no Pelourinho tombada pelo SPHAN (Serviço de patrimônio histórico e artístico nacional), em 1938. Afirma-se, pela narrativa de imagens, legitimidade e competência culturais.

43  Revista Brasileira de Folclore n. 15, maio-agosto 1966 p. 226.

44  Os manuscritos e desenhos de Mestre Pastinha, no seu “Quando as pernas fazem mizérer”(sic), 1960, podem ser consultados em http://portalcapoeira.com/Downloads/Download-document/55-Os-Manuscritos-do-Mestre-Pastinha, acesso 02-07-2012. A notar que, nesse processo de reconhecimento do jogo como manifestação cultural, para além de artigos em publicações especializados ou na grande imprensa aparecem, principalmente a partir dos anos 1960 livros assinados pelos próprios capoeiras, fixações textuais do que antes se aprendia pela observação, experimentação, ouvir dizer. Waldeloir Rego menciona que a “primeira contribuição impressa assinada por capoeirista foi o livreto com as lições do curso de Mestre Bimba que acompanhava o LP Curso de Capoeira Regional Mestre Bimba saído pela gravadora baiana J.S. Discos, s/d. Indica ainda o de Rafael Alves França (Cobrinha Verde), Centro Esportivo de Capoeira Angola 2 de julho/ narrado por Rafael Alves França e escrito por José Alexandre. Salvador, 1963. REGO, 1968, pp. 270, 263.

45  A reter que na sua estratégia política, Carneiro faz-se também porta-voz, apoio engajado na visibilidade dos saberes populares. Em carta a Vivaldo Costa Lima (9/11/1967) menciona que escreveu artigos no jornal O Estado da Bahia para Martiniano do Bonfim : « tomei as notas, redigi o artigo e levei-o novamente ao velho babalô, que o aprovou ». Acervo Edison Carneiro. Biblioteca Amadeu Amaral, CNFCP, Rio de Janeiro.

46  Além dessas categorias – luta violenta, demonstração amistosa – o capoeirista Mestre João Grande menciona a capoeira de show, em espetáculos folclóricos. CASTRO, 2010, p. 32.

47  O acervo fotográfico de Gautherot, com 25.000 imagens, foi adquirido pelo Instituto Moreira Salles (IMS), Rio de Janeiro, em 1999. Foi classificado pelo fotógrafo a partir de critérios geográfico, temático e cronológico. Sobre o acervo fotográfico de Marcel Gautherot ver SEGALA, 2005, pp. 73-134. Utilizo, no âmbito desse artigo, a numeração original do fotógrafo. Na classificação do IMS, indicada nas legendas das fotos, foi adicionado, no início, o número 010 que identifica a coleção Gautherot.

48  Entrevista de Gautherot, já citada.

49  Além dessa série temática Capoeira, encontram-se outras imagens esparsas do jogo (15) feitas nos limites das rodas cheias, nas festas populares da capital baiana : na segunda-feira gorda da Ribeira (11), nas comemorações do Rio Vermelho (2), no carnaval (2). Nesses contextos o fotógrafo disputa com os que queriam ver, entrar na roda. As dificuldades para fazer esses registros explica, talvez, a opção de Gautherot por fotografar com exaustividade demonstrações encomendadas. Não se sabe ao certo se pagava ou como pagava essas apresentações. Na entrevista que me concedeu, já citada, comenta que « a única coisa que os grupos me pediam era uma cachaça. Nunca pediram dinheiro para se deixar fotografar. Foi sempre na amizade. Muitas vezes, como por exemplo, no Maranhão, ia beber, fazer farra com eles ».

50  Comenta a propósito, Gautherot : « Deixo o povo viver quando fotografo a festa popular ». Revista do Brasil, 1982, p. 82.

51  O Corta-braço na Liberdade era local conhecido pela invasão das terras por trabalhadores baianos, a história do local era considerado como exemplo das lutas operárias pelo Partido Comunista. Sobre o barracão de Mestre Waldemar ver CATUNDA, 1952.

52  Mestre Pastinha em seu livro descreve o berimbau : « É constituído de uma vara de madeira resistente [pau Pombo] aproximadamente com 1.50 m de comprimento, mantendo em tensão um arame de aço. Possui uma caixa de ressonância formada por uma cabaça unida ao arame por meio de um barbante ». MESTRE PASTINHA, 1964, p. 40.

53  Marcelo Coqueiro, professor de capoeira no Rio de Janeiro, explicou-me que, por vezes, apenas o mestre abaixa o berimbau para chamar os capoeiras ou por reverencia religiosa. Nunca os três tocadores. Entende-se assim a foto como exibição didática do instrumento. Mestre Waldemar pintava e decorava seus berimbaus, e aqueles que vendia no mercado.

54  Trata-se, nos termos de Mestre Pastinha de « uma delicada cestinha de vime com sementes secas em seu interior, funcionando pelos movimentos das mãos como um pequeno chocalho ». 1964, p. 40.

55  O fotografo não identifica pelo nome nem os músicos nem os que jogam. Aliás, os que tocam jogam também em outros quadros.

56  Nas fotografias do livro de Pastinha, todos jogam de uniforme com emblema na camisa, meia e sapato. Nas de Gautherot, na rua, quem entra no jogo deixa o sapato ou as sandálias de couro a um canto, percebidos, algumas vezes, no enquadramento fotográfico. Os pés nus remetem à história, ao tempo da escravidão.

57  Interessa observar que Gautehrot imprime uma dinâmica descritiva em cada quadro, apesar de trabalhar com uma câmera Rolleiflex. O negativo 6x6, quadrado, tende a centralizar o objeto.

58   MESTRE PASTINHA, 1964, p. 54, 64. Mello Moraes Filho, no seu “Capoeiragem e capoeiras célebres » já observa que : « o seu olhar como que mergulha no ânimo do adversário, surpreendendo-lhe as emoções mais súbitas, as lembranças mais rápidas ». MELLO MORAES FILHO, 1895, p. 404.

59  Ver a propósito http://www.youtube.com/watch?v=6exQFWaSWfg, acesso 31-05-2012. Nesse trecho do filme de Simone Dreyfus, além do mestre Waldemar, estão indicados os mestres Bugalo (que toca o berimbau no inicio do filme), Caiçara (aos 52 segundos) e, ainda, Zacarias, Traíra e Nagé.

60  Essa subsérie pode ter antecedido as demais pois o Atalaia, navio de carga geral do Lloyd Brasileiro, afundou no Atlântico sul em 1941. Cf. Correio da Manhã 27-05-1941. Hemeroteca da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_05&pagfis=6893&pesq=&esrc=sacesso 31-05-2012.

61  Na foto, acompanha mestre Waldemar, no berimbau, um homem branco, com camisa de gola armada e caixinha para óculos escuros no cinto. Sem identificação.

62  Trecho da entrevista já citada.

63  CARNEIRO, « Proteção e restauração do folguedos populares », in 2008, pp. 97-110.

64  Como exemplo dessa circulação, tomo uma das fotos de Gautherot, (010BACE01665), [fig.6], publicada na revista Módulo (já citada), p. 29. É a mesma que aparece na Revista Brasileira de Folclore, n. 4, jan./abr. 1963,com outros recortes de edição. Esta na caixa de imagens encomendada ao fotógrafo, em 1973, pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, para distribuição nas principais embaixadas brasileiras É mostrada ainda, em Paris, na exposição Danses et théâtres populaires du Brésil que inaugurou, na Sala Sarah Bernhardt, o Festival International de Théâtre de 1957. São ainda de Gautherot as fotos que ilustram o texto do surrealista Benjamin Péret, militante comunista, amigo de André Breton. Descreve poeticamente as « ondulações » oníricas da capoeira, explorando-a por metáforas de animais, plantas e deuses. PÉRET, 1957, pp. 104 – 109.

Citation   

Lygia SEGALA, «Dinâmica do folclore e reconhecimento social. A capoeira angola baiana nos estudos de Edison Carneiro e nas fotografias de Marcel Gautherot», Cultures-Kairós [En ligne], paru dans Capoeiras – objets sujets de la contemporanéité, mis à  jour le : 16/12/2012, URL : https://revues.mshparisnord.fr:443/cultureskairos/index.php?id=542.

Auteur   

Quelques mots à propos de :  Lygia SEGALA

Lygia SEGALA est docteure en Anthropologie de l’Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998, UFRJ), et a effectué un post-doctorat à l’École des Hautes Études en Sciences Sociales (2008, Paris, France). Elle est professeure de la Faculté d’Éducation et du Programme de Pós-Graduação en Anthropologie à l’Universidade Federal Fluminense (Niterói, UFF), chercheure au Laboratoire en Éducation et Patrimoine Culturel (Laboratório de Educação e Patrimônio Cultural) et au Laboratoire du Film Ethnographique dans la même Université. Elle développe des projets dans les domaines de recherche suivants : transmission des patrimoines culturels, anthropologie et éducation, anthropologie et image.